segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A minúscula parte do pequeno que somos...



Senhoras e senhores, a trama da vida diária é realmente um negócio digno de nota, isso porque a pena com que ela escreve as linhas da novela do cotidiano dá-nos a curiosa chance de testemunhar um desfile de frivolidades e insignificâncias que acabam, por mais paradoxal que possa parecer, conferindo tamanho gigantesco a tudo o que é pequeno – e quando o pequeno diminui até chegar à dimensão do minúsculo, aí sim nos sentimos protagonistas de algo cujo teor dramático ultrapassa as fronteiras do inconfessável particular para galgar a urgência de tornar pública a nossa tragédia. Senhoras e senhores, se o torvelinho de futricas, fatos e boatos, fofocas e diz-que-me-diz, são a matéria fundamental dessa panacéia melodramática, não seria surpresa adequar em igual proporção de importância as personagens que nela flutuam, assim, também não é preciso correr muita sensibilidade por dentro das veias para que o mais distraído dos seres humanos perceba que a sua figura é tão pequenininha quanto a sua função de fuinha que esse teatro maior chamado Vida lhe instruiu praticar. Senhoras e senhores, conheci um fuinha dessa espécie! Um legítimo representante disso que podemos chamar de mediocridade, mas uma qualidade de mediocridade tão sincera e transparente que, embora tenha me causado certo constrangimento no princípio do nosso inesperado encontro, não pude deixar de render homenagens a esse magnífico fantoche que pulou na minha frente sem vergonha alguma de articular seu queixo de ventríloquo de circo. Eis aqui as circunstâncias que me levaram a essa incrível experiência. Acabava eu de pisar minhas magras pernas no saguão do teatro quando o dito cujo alcança-me com o seu olhar vítreo e pronuncia num brado retumbante o meu sagrado nome: ‘Fulano de Tal, é você?’ Sim, era eu... e ainda que eu não me chamasse Fulano de Tal passaria imediatamente a ser o tal Fulano de Tal pelo grau purpúreo de efusividade que a criatura evocava a minha presença. Sim! Aqui estou eu, o digníssimo Fulano de Tal, arrastando meu suntuoso manto do reconhecimento público! Ah, senhoras e senhores, senti-me o Grão-Duque de alguma aldeia medieval, o Czar da Praça Vermelha, o Abade nomeado pelo santo Papa... ou melhor, senti-me o próprio Pontífice da Santa Sé tamanha foi a lambida que recebi na sola do pé daquele pobre servo da insignificância. Senhoras e senhores, por que será que as pessoas se regozijam tanto em servir-nos em bandeja de prata essa sua idiota vacuidade, incrustando no metal pedrinhas de desejos de atenção reprimidos? O que lá tenho eu com isso? A vontade que tive foi de mandar aquele peão-de-xadrez mover suas perninhas curtas em outras casas e me deixasse em paz, mas eu tive o azar de incorrer no maior pecado que um pecador da minha espécie poderia cometer e disse: ‘Olá, como vai?’ Senhoras e senhores, deixem-me lhes dar uma dica preciosíssima: jamais, em hipótese alguma, lancem mão de um simples ‘Olá, como vai?’ numa ocasião semelhante a essa a que eu acabei de reportar, melhor dizendo – jamais abram vossas bocas para articular a língua num frugal ‘Olá’ sem o ‘como vai?’ como sufixo -, porque um simples ‘Olá’ funciona para esses pequerruchos mal amados como a mesma benção divina que fez abrir as águas do Mar Vermelho para Moisés seguir caminho em direção à Canaã, a terra prometida que verte leite e mel nos seus riachos abençoados! Ah, digníssimos de infortúnio, não sabem vocês o quanto tive de adormecer meus ouvidos para suportar o relato de tanto blá-blá-blá sobre a própria vida mesquinha daquele que se dirigia a mim! E por que justamente a mim? O jubiloso Fulano de Tal não teria outras ocupações mais nobres a cumprir - como, por exemplo, assoar o nariz -, do que parar a rotação do mundo para se sentir uma Via Láctea rodeada por aquele satélite de vento perfumado? E tudo isso com um único intuito: elevar-me ao patamar dos escolhidos! Vá escolher a mãe para aporrinhar! Ah, senhoras e senhores, se eu fosse menos educado... porque grande parte das tragédias da vida nos seriam poupadas se abandonássemos essa terrível condição de ‘seres educados’ a que fomos doutrinados a colocar em prática... Aguentei tudo em silêncio sepulcral, depois encaminhei-me para dentro das dependências do teatro, onde dali a instantes as cortinas subiriam para mais um espetáculo da temporada... e mal sabia eu que aquele deslumbrante personagem minúsculo estava a minha espera, pronto a entoar sua ladainha de fã dos abnegados. Senhoras e senhores, a trama diária é um enredo realmente deslumbrante... lembro-me agora de uma mulher gorda que avistei ao sair de um Shopping Center, ela devidamente estacionada no alto de uma escada-rolante enguiçada, soltando impropérios aos quatro ventos sobre a incompetência das engenhocas mecânicas da modernidade... era a perfeita Norma de Bellini, uma Casta Diva na magnificência de sua pose, convocando o mundo a olhar para o quanto seu gogó estava preparado para reivindicar sua existência... sua minúscula existência, diga-se de passagem.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário