segunda-feira, 1 de abril de 2013

#9



Espera-se muito
E com outros muitos
Ainda se houvesse um jeito outro de esperar só
Se nascer e morrer são monólogos 
Quem consagrou o recheio disso como enredo de ópera?
Ainda se houvesse música
Mas o que em regra se ouve é sinfonia muda
E na pausa do tocar um continente de ociosos junta-se pro jantar
De que serve esta mesa senão para servir sopas coletivas?
Todos a sorver, banguelas, o vazio incomensurável de suas vidas...
Mas notar isso não fazem questão
O vizinho é essa coisa poderosa
Um facilitador da digestão...
Há sempre alguém pronto a brindar suas misérias
A mocinha dentuça que de boca aberta ronca, indiscreta, seus pecados
O senhor trombudo que do cenho franzido se diz filósofo sem ser inquirido
E assim, caminha-se sem caminhar
Fincando estacas na morbidez do ajuntar
E eu aqui, só e junto
Parte dos outros muitos que insisto em evitar...

...

...

#8



É um tal de ir e voltar
Um infinito gastar de sola 
Para ao final tornar a ficar
Onde jamais se pôde fugir
Fazendo do Lá um mesmo lugar
Itinerantes condenados 
À vida encalacrados...

...

...

#7



Alguém da plateia se levantou
E a peça parou
E eis o que se deu:
Revoltado, o senhor, que não era ator, bradou:
Mentira! Tudo mentira! A vida não é assim! Traição, tranquem as portas!...
O elenco, então, lisonjeado com tamanha homenagem, não soube o que fazer senão aplaudir
Ao interlocutor, que tudo entendia
E uns aos outros, pelo enorme talento que cada um reunia.
A cortina desceu
O público se evadiu
E aquele senhor, cuja aparição ninguém previu
Simplesmente, assim
Puf!
Sumiu

...

...

#6



O personagem quis me conhecer
Eu, que durante tanto tempo o fiz aparecer
Indignado, disse a ele:
Não existo para ti, invenção! 
E triste ele se foi
Sem saber se eu dizia a verdade
Ou não...

...

...

#5



Cansado de aqui estar
Vou viajar sem sair do lugar
E assim
Elegerei um país onde jamais pisei
Um que se existe, não sei
E aqui, de longe, governarei
Entronado por força maior
Vosso rei
Ao real desígnio meu nome
Emprestarei
Vinde a mim
Ó súditos cujas faces nunca toquei
Falantes de uma língua cuja pronúncia nunca saberei
Mas, deixe estar
Serei esse só para constar
Porque se quiserem que para lá eu vá
Reservo a mim uma poderosa arma:
Abdicar...

Cansado de governar sem lugar
Resolvi escrever para fingir ter
Coroa, manto, reino e poder
Tudo o que na vida me cansa haver
Como se eu soubesse com tudo isso o que fazer
Antes nada disso ter
E do não ser
Acabar
Antes que haja um jeito da verdade
Sobre mim
Reinar...

...

...

A HISTÓRIA DE UM HOMEM HONESTO...




A fascinante trajetória do saneador da municipalidade de Fedorópolis, o limpador de fossas Sr. Silvano Soares-Sanado, comprova-nos, ainda que com a pulga atrás da orelha, que o homem - a despeito da sua incomensurável inclinação à canalhice -, pode, com hercúlea força de vontade, terminar a vida na ala da honestidade.

Depois de anos dedicando-se aos subterrâneos lamacentos e mal cheirosos da municipalidade de Fedorópolis, o Sr. Silvano Soares-Sanado, o saneador e limpador de fossas de Fedorópolis, sujeito completamente desconhecido para todo o restante dos narizes que viviam a fungar os odores dos campos elísios, enfim, esse mesmo coadjuvante da existência que do seu ofício liberava seus irmãos do trabalho sujo de ver escoar as suas imundícies, esse, cujo nome já dissemos ser Sr. Silvano Soares-Sanado, conseguiu, então, depois de décadas de entrega anônima ao esgoto público, aposentar-se e galgar a superfície dos justos e merecedores.

Logo no seu primeiro dia de vento fresco na cara, o Sr. Silvano Soares-Sanado, agora recém ex-saneador e limpador de fossas da municipalidade de Fedorópolis, deparou-se com um cego num entroncamento de ruas, ele, o cego, pobrezinho, inerte na difícil circunstância de decidir qual caminho tomar. Não só ajudou o pobre diabo sem vistas como também o levou até a sua casa, tudo na maior ingenuidade, sem desconfiar que sua boa ação estava sendo seguida pelos cliques fotográficos do Sr. Alberto das Alamedas-Codaque, repórter oficial do diário de notícias de Fedorópolis, o falacioso Folhetim-das-Tantas.

No dia seguinte, o já confirmado ex saneador e limpador de fossas da municipalidade de Fedorópolis, o Sr. Silvano Soares-Sanado, aparecia estampado na primeira página do falacioso Folhetim-das-Tantas - diário de notícias altamente falacioso da municipalidade se Fedorópolis -, ele mesmo, o Sr. Silvano, eleito pela foto do Sr. Alberto das Alamedas-Codaque, o fotógrafo, como o novo exemplo de dignidade que jamais houve Fedorópolis conhecer desde a sua remota e mal cheirosa fundação.

Tornou-se famoso, e, a partir de então, requisitado para servir de exemplo para tudo quanto fosse assunto em debate - desde os procedimentos ecológicos a serem respeitados no plantio de mandiocas silvestres, até as mais filosóficas contendas que exigiam apuro intelectual na escolha do ardil retórico capaz de convencer o mais idiota dos interlocutores...

Um dia acordou, o nosso Sr. Silvano Soares-Sanado, ex saneador das fossas de Fedorópolis e agora emérito cidadão de Fedorópolis, e, num arroubo nostálgico, sentiu uma saudade imensa das ratazanas do andar de baixo. As baratas também o seduziam, na sua silenciosa marcha rumo aos becos escuros. Largou todas as comendas de honra ao mérito que havia ganhado na superfície e voltou de imediato para os subterrâneos lodosos, lá onde, parece, morreu há muito tempo, sem que houvesse uma notícia sequer do seu fim... "Há sempre uma forma honesta de terminar a vida." Foi o que o Sr. Silvano Soares-Sanado teria dito, se tivesse oportunidade de o fazer, para o repórter do Folhetim-das-Tantas, o Sr. Alberto das Alamedas-Codaque.

...

...

A TRAGÉDIA DO CONTRA-REGRA...



Um tal de Sr. Fulano de Tal da Silva e Qualquer Coisa que o Valha - seu nome real nunca de fato ocorreu a alguém perguntar, de modo que passou para a história como mais um Sem Nome, membro emérito dessa mesma família que faz lotar o mundo de hoje -, enfim, esse Tal Aí cujo nome é ou foi um mistério, era o contra-regra oficial do Teatro Municipal da cidade de Monta-Cenas.

Depois de anos de fiel labuta escondido no escuro dos urdimentos dos bastidores, fazendo com seu suor subir e descer os mil e um artifícios que a arte dramática inventa para agradar o mais desiludido dos diabos da terra, enfim, depois de anos de árdua dedicação, finalmente, o Sr. Sicrano do Não Sei Que Lá, contra-regra oficial do Teatro Municipal da Cidade de
Monta-Cenas, convenceu-se peremptoriamente de que a vida é de fato uma gigantesca e escabrosa farsa.

Convencido que estava dessa sua tardia e mais que embolorada descoberta, adentrou numa crise profunda, dessas de derrubar cavalo na cocheira, coisa que só seria sanada, diziam os especialistas das baias psicológicas, caso o Sr. Quem Eu Não Sei mergulhasse a fundo nessa tal imaginária farsa que imaginava ser a vida.

E foi exatamente o que ele fez. Após um período longo de insistências - e também de estudos e aulas práticas que compreendiam as matérias de expressão, elocução e movimentação cênica -, o Sr. Sabe-se Quem, antes contra-regra do Teatro Municipal de Monta-Cenas, agora conseguia um pequeno papel, como legítimo ator, diga-se, na nova peça a ser levada em cartaz pela tradicional e altamente bem avaliada Cia Dramática de Monta-Cenas.

E eis que se deu a tragédia que no título desse colóquio literativo anunciamos! Na noite da estreia, antes de soar o terceiro e último sinal, na iminência do abrir das cortinas de veludo vermelho, o diretor do espetáculo, o conceituadíssimo Sr. Mestre Constantino Celso Filho, chama o Sr. Quem Mesmo(?) a um canto escuro e diz-lhe claramente para que ele evitasse os gestos exagerados, que pensasse em ser o mais verdadeiro possível, fugindo das caricaturas e posições armadas. Sem qualquer explicação aparente, o Sr. Beltrano do Nascimento, antes o contra-regra do Teatro Municipal, e, agora, quase ator, avança na goela do Sr. Mestre Constantino Celso Filho, sufocando-o até a morte. Quando as cortinas sobem, o que se vê é um cadáver verdadeiro, num quadro em que, mal estreado nos palcos dramáticos, confere ao Sr. Misterioso o primeiro aplauso em cena aberta.

Hoje preso na penitenciária municipal de Monta-Cenas, o Sr Presidiário número 354 virou um qualificado diretor de teatro, dirigindo um coletivo de presos em espetáculos absolutamente farsescos e inusitados...

...

...