sábado, 9 de fevereiro de 2013

O epílogo de uma borboleta qualquer.




Uma borboleta qualquer, do tipo de borboleta que não causaria comoção alguma, dessas borboletas que deixando de existir não exigiria do mundo outra coisa que continuar a ser exatamente o que é: um mundo indiferente às borboletas sem talento... Pois então, uma borboleta desse tipo, resolveu bater asas para dentro do vagão lotado do trem.

O doutor em direito espanava suas Datas Máximas Vênias em direção ao bicho que insistia em revoar juridicamente por sobre sua nobre cabeça, já elucubrando sobre qual seria o código referente ao crime de invasão de propriedade.

O médico interpelava o exíguo animal na base de uma conduta ética invejável aos olhos dos que sofrem a certeza de uma derrocada iminente, tentando minimizar a dor da pobrezinha com uma pancada firme do jornal que trazia enrolado debaixo do braço.

O padre fazia o sinal da cruz ao mesmo tempo em que maldizia a Deus-Todo-Poderoso em nome das criaturas esvoaçantes que vieram ao mundo sem propósito algum, desconhecendo o evangelho das lagartas, ou de qualquer ser voador que o valha, que tenha compartilhado no seu conteúdo o caridoso exemplo de algo com asas que se ofereceu em sacrifício na defesa dos companheiros de espécie.

Como é possível que uma coisa tão desimportante possa atrapalhar a concentração de elementos tão cientes da sua importância para com o destino das coisas desse mundo?

A criancinha no colo da mãe admirava-se com as batidas frenéticas das asas do bicho contra o teto do vagão, mal adivinhando que para cada sequência de ações daquela, uma energia fulgurante se esvaía da pequena borboleta, restando sabe-se lá quanto mais de força para que tudo terminasse sem a tão aguardada apoteose seguida de aplausos.

Saí do trem antes de acompanhar o epílogo da borboleta, mas consciente de que aquele pobre animal teria percorrido uma distância inimaginável para sua compleição física.

Teria a borboleta sabido disso e escolhido sua própria aventura? Ou foi o destino que lhe enfiou onde estava sem direito de apelação?

De qualquer maneira, um prêmio de distâncias percorridas seria lhe dado, caso o céu das borboletas fosse um céu justo, reconhecendo tamanho feito.

No dia seguinte embarquei no mesmo trem da borboleta da véspera...

Procurei a borboleta.

E nada de borboleta alguma.

Talvez tenha me equivocado. Talvez ela não tenha morrido. Talvez as portas tivessem se aberto numa estação distante daquela em que eu sempre salto – e que nunca visitei -, e com o que restasse das suas forças, voado para destinos desconhecidos.

Filosofia demais para mim, que dentro do vagão mais parecia uma sardinha encerrada numa lata móvel de alumínio ligeiro, mais um exemplar qualquer de muitos outros semelhantes a mim, tipos que se deixassem de existir não exigiria do mundo outra coisa senão caminhar em frente com destino à próxima estação.

Lá me fui, de novo e mais uma vez, vestido com minha elegância...

Caminhando para o mesmo lugar de sempre, enquanto durar minhas energias...      

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Por que os bueiros explodem? Parte II, acusação!



Parte II – O depoimento de defesa de Olegário-Alô, o empresário do ramo das telecomunicações subterrâneas, acusado do crime.

OLEGÁRIO-ALÔ:
Nobres colegas de infortúnio dessa metrópole alvejada cruelmente pelo misterioso fenômeno das tampas-voadoras-de-bueiro... venho aqui em resposta a desmerecida e ultrajante acusação que recai sobre estes meus velhos e cansados ombros que durante gerações e mais gerações se esgueiraram pelos subterrâneos desse solo que agora recebe vossos serelepes pés com o único objetivo de trançar a mais incrível moderna e ágil malha de fios telefônicos e com isso inaugurar a última palavra em modernidade telecomunicatória da qual cada um dos senhores tira proveito com seus infinitos blás-blás-blás fazendo do pobre e inocente aparelho de telefone seu alvo direto [...] Ora vejam qual proveito tiraria eu e a minha equipe de toupeiras - assim chamada porque tal como a minha pessoal mais viveu debaixo da terra do que em cima dela como agora estamos - qual proveito tiraríamos nós caso tomássemos como verdadeira essa absurda acusação de que coube a nós plantar bombas dinamitatórias no subsolo dessa cidade e com isso fazer explodir e voar as tampas de bueiro escrevendo nos anais dos desastres improváveis o curioso e misterioso fenômeno ao qual ficou conhecido desde então como o caso das tampas-voadoras-de-bueiro? Ainda se eu fosse um assassino contumaz ou um gângster foragido quiçá um assaltante de banco que encontrou nos túneis debaixo do asfalto a sua morada invisível mas não [!!!] convoco cada um de vocês para um tour no escuro das nossas galerias enfeixadas pelos fios encapados que trançados juntos formam a mais incrível moderna e ágil malha de fios telefônicos a verdadeira e última palavra em modernidade telecomunicatória da qual cada um dos senhores tira proveito com seus infinitos blás-blás-blás inúteis e capciosos tornando o pobre e inocente telefone uma vítima indefesa dessa balbúrdia verborrágica [ENFIM] convido-os todos e garanto que depois de algumas esquinas dobradas qualquer denúncia cairá por terra haja vista o meu enorme cuidado em preservar esse ainda intocável recanto de paz e sombra que repousa escondido no andar-dos-inferiores  [...] Ora vejam eu acusado de plantar bombas dinamitatórias e explosivas justo eu que desde criancinha apaixonei-me pelo subsolo e os seus encantos ah senhoras e senhores parece que foi ontem o dia em que distraído ao empinar uma pipa tropecei e fui escorregar para dentro de um poço profundo e fiquei ali na companhia solidária de alguns ratos mas não esses ratos feiosos que aparecem de vez em quando na superfície de vossas casas para surrupiar pedaços abandonados de comida não não os ratos lá de baixo portam-se como verdadeiros gentlemans e não raras vezes superam em galanteios as firulas ensaiadas pela corte real da Inglaterra [!] e como o resgate demorava a chegar qual não foi a minha surpresa quando um dos ratos de nome Adamastor veio até mim e convidou-me a um passeio pelo reino dos caminhos escondidos e eu fui é claro afinal de contas quem é que poderia recusar uma aventura por lugares nunca antes desbravados e ainda com a promessa de enfrentar desafios incríveis como o da travessia do lodo-fedorento-do-esgoto em cima de uma canoa de bambu [???] Quem iria desconfiar que a minha pessoa demoraria a sair dos subterrâneos [...] alguns já me davam por morto e que tristeza foi descobrir que uma lápide com o meu nome foi colocada no cemitério municipal com direito ao aqui jaz fulano de tal reza em latim e tudo o mais [!] porque uma coisa eu digo senhoras e senhores a vida lá em baixo é infinitamente melhor do que essa fanfarronada enlouquecida que todos vocês aguentam por aqui no teto do mundo e se eu digo isso é por conhecimento de causa afinal de contas eu vivi lá por uma infinidade de anos dessa minha vida e se hoje eu estou vivendo novamente na superfície é em razão unicamente da violenta exploração metroviária que os digníssimos ministros dos transporte insistem em empreender arrasando com toda e qualquer tranqüilidade que há séculos reinava onde antes buraco nenhum ousava ser escavado {...} agora caber a mim e a minha equipe de toupeiras - assim chamada porque tal como a minha pessoal mais chafurdou debaixo da terra do que em cima dela como agora estamos – esse ignominioso ato de violência descabida que consiste em explodir o subterrâneo com artefatos bélicos e dinamitatórios e com isso fazer explodir e voar as tampas de bueiro escrevendo nos anais dos desastres improváveis o curioso e misterioso fenômeno ao qual ficou conhecido desde então como o caso das tampas-voadoras-de-bueiro? Ainda se eu fosse um pobre diabo, um zé ninguém, um bêbado de esquina que não encontrasse outro jeito mais inteligente de empreender uma vingança da qual os senhores são bastante merecedores primeiro por furar como um queijo suíço o recanto de milhares de ratos elegantes e inofensivos para fazer passar vossos trens de alta velocidade segundo porque nunca durante minha vida recebi uma única homenagem um diploma medalha de honra ao mérito quiçá a chave da cidade pelas mãos do prefeito por contribuir de maneira tão decisiva na implementação de tão criteriosa rede de fios encapados e enfeixados banhados a ouro e que trançados juntos formam a mais tecnológica moderna e ágil malha de fios telefônicos a verdadeira e última quintessência em modernidade telecomunicatória da qual cada um dos senhores tira proveito ao zombar com seus infinitos blás-blás-blás inúteis capciosos grotescos e indigestos tornando o pobre e inocente telefone uma vítima cruel e indefesa dessa balbúrdia verborrágica que é expelida de vossas gargantas tagarelentas e cujo fim não é outro senão somente passar o tempo em companhia de fofocas gelatinosas [ENFIM] senhoras e senhores bem que eu poderia encampar uma dinamitagem-bueiral na esperança de cortar vossas cabeças pensantes com um desses disco metálicos ejetados do chão mas acreditem eu não tenho nada a ver com o pato e se quiserem maiores informações pistas ou indícios melhor seria conversar com o Adamastor em pessoa ou melhor com o rato...

No próximo episódio: o Depoimento de Adamastor, o rato...

Palavras, palavras, palavras...


Se eu pudesse convergir o que penso em música, e das palavras escritas fazer matéria de pautas dançantes, premiando o pensamento com o disputado troféu do calar-se, e sorrindo pelas cadências das formas melódicas convencer o leitor de que nada tenho a dizer a não ser o que ele quiser ouvir, satisfeito ficaria com tão preciosa contribuição.

Um parágrafo viraria movimento, e como os naipes de uma orquestra, cada coisa soaria no seu tempo, sem pressa de ser entendida.

E que valor haveria ganho o silêncio, tão raro nisso que chamamos de entendeu o que eu disse? Sem nada para dizer já seria um início, e ainda que fim, todos os sons precedentes elevaria o vazio da pausa ao prestigiado recanto do descanso.

De todos os esforços inúteis a que minha cabeça emprega firme labuta, o mais desgraçado deles é a vocação dos miolos em insistir nas palavras como formadoras de ideias. Antes mesmo de ver o mundo, e no silêncio deixar que ele siga em frente na sua preguiça anti-literal, lá estou eu na ingrata tarefa de produzir legendas do que não me foi autorizado traduzir. E quanto mais força para extrair de mim uma impressão do que quer que seja, são ideias que aparecem a servir-me à cena, e a essas eu não devo reverência alguma.

Eu queria o divórcio das ideias pensadas, não tenho talento algum para cimentar o muro dos significados, esse sim o das lamentações!

Quisera eu que a minha cuca funcionasse como regente de uma bela orquestra!

Recuso o ofício de escrever, ou mesmo pensar e existir, se através dele não vier junto o floreio fundamental que necessariamente nos faz sorrir, fugindo disso do qual sabemo-nos reféns: a vida, essa mesma vida com que se pode tocar, e pelo toque comprovar tudo o que está aí para ser comprovado.

O que seria de mim sem as coisas que não existem, perdendo-me nas certezas dos profetas da ciência objetiva...

Que preguiça das ideias pensadas...

Cansei delas por hoje...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

No Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos...


No Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos todos os professores são cegos, o que é uma tremenda facilidade para todos – para os que desejam ingressar em tão renomada instituição, laureada com a indefectível medalha do governo do Quirguistão em reconhecimento aos serviços humanitários prestados à arte, bastando para tornar-se aluno uma demonstração pública na habilidade em se produzir barulho, e também para os mestres, liberados da cansativa e inútil tarefa de apurar as vistas para decidir quem está apto ou não para entrar no Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos.

Os surdos-mudos, alunos do Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, uma vez divorciados da linguagem do do-ré-mi-fá, investem em tudo quanto é batida de panela para a composição de suas sinfonias barulhentas, e já que o que os olhos não vêem o coração não sente, quem haveria de duvidar de tamanha sensibilidade melódica árduamente burilada por tão competente corpo docente?

O curso é muito puxado, dizem quem dele já experimentou, atravessando quatro anos numa jornada suada cujo destino repousa na certeza imperial de se humanizar o ser humano, há muito desumanizado pelas andanças desumanas as quais por vontade própria ou não tem incorrido nos últimos tempos – E a todos os brutos de espírito que discordam dessa generosíssima missão, o Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos adverte peremptóriamente em sua carta nunca publicada mas devidamente guardada na segurança da manga dos valores éticos e morais: 'Quem disse que os músicos, só por serem músicos, tem o dever de aprender música, abandonando as questões tão urgentes que desde os gregos faz patinar a unanimidade da humanidade, e entre ela, também os músicos e não músicos?'

CLAP! CLAP! CLAP!

E assim o tempo passa no Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, numa ladainha ética e moral altamente ensaiada em palestras amplificadas pela voz ensaiada dos professores, e nunca ouvida pelos ouvidos surdos dos alunos surdos-mudos do Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, que, ansiosos por fazer barulho, aguardam o momento triunfante de suas formações: o concerto final de formatura dos surdos-mudos do Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, regido anualmente pelo reitor de tão renomada instituição, laureada com a indefectível medalha do governo do Afeganistão em reconhecimento aos serviços humanitários prestados à arte, um sujeito baixinho, quase anão, e acometido por dislexia compulsiva.

CLAP! CLAP! CLAP!

Depois do espetáculo todos voltam contentíssimos para casa, o público com a sensação de que graças ao Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos a arte musical continua no seu contínuo movimento circular de retornar sempre ao mesmo lugar, enquanto os surdos-mudos formados, incapazes de ouvir elogios, caminham aos seus lares sem saber se o que produziram foi música ou simplesmente... barulho.

Há uma despedida definitiva em cada despedida de um cão.

Há uma despedida definitiva em cada despedida de um cão.

Do que faço para evitar o drama do adeus, ensaiando passos silenciosos toda vez que ponho-me a sair, nada livra-me daquelas orelhas criteriosas, especialmente treinadas para saber onde estou.

Assim, no meio da minha pantomima muda, ouço seu andar - um tic-tac de unhas invisíveis, ressoando ritmadas através do corredor... e cada vez mais perto.

Então, apresso o passo na esperança de que pelo menos a cena não ganhe contornos melodramáticos, unindo mocinho e mocinha num enlace de exagero típico dos fabricadores de novelas.

Tarde demais... Se houvessem violinos, lá estariam eles para ferir as cordas num lento-majestoso.

Ele primeiro me vê, murchando no rosto as rugas da última dúvida que restava sobre a certeza do meu criminoso e iminente ato de abandono provisório, esse mesmo ato que aos olhos de quem me vê parece eterno.

Num cambaleio de quem diz por que já vai? Enrosca-se por entre as grades e ali fica, de olhos murchos a fitar o caminho por onde imagina que irei sumir.

Não resiste. Só lamenta.

Tento dizer que voltarei em breve, mas o que é um breve para quem o instante é tudo o que há? Nem antes nem depois, um presente de presença imediata onde minha falta representa uma morte dolorosa.

Coço o seu focinho e recebo uma lambida.

Há uma despedida definitiva em cada despedida de um cão, diferente de mim, que saio de cena à prestação, acreditando nos entreatos de ausência como meros respiros de um espetáculo cujas cortinas estão à serviço do meu protagonismo.

Vou embora, e percebo que o melodrama sou eu, o único a precisar desse registro de memórias para tratar dos meus remorsos existenciais, todos eles sempre à espera de lamúrias lacrimosas...

E dessa vez avivadas por uma simples despedida...

Não de alguém, mas de um cão.

Em sua despedida o cão é trágico, inteiro na sua queda, silencioso em sua perda.

E eu aqui, remoendo os barulhos do que sou, fazendo cena para que me vejam existir.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

ESCREVER...



Na página branca não há história que não seja a minha,
Nela sou rei, e se me der na telha também rainha.
Que maravilha é decretar sem nada mandar,
Um rabisco é o mundo e todo o resto que vá se virar!

Na página branca de gente escrita à mão,
Sou eu quem diz: esse merece viver, já esse melhor não.
Todo um país de coisas inventadas,
Despeço-me das esquinas de ruas já pavimentadas...
 
Na página branca de infinitas e impossíveis fronteiras,
Planto muralhas, e por que não jardins de jabuticabeiras?
Se toda guerra há que se ter um inimigo,
Aqui ele se chama vazio - a falta de imaginação é a morada do perigo!

O segredo do poder está no nada dizer,
E quanta altivez nesse simples ato que é escrever!
Um parágrafo bem dito, ou melhor, escrito e impresso,
Vale mais do que todos os aplausos de um ator, no auge do sucesso.

A história que passa e nos leva embora
A página branca ralenta, deixando somente o agora.
Era uma vez alguma coisa que não existe mais,
Mas que uma vez escrita, não se perde jamais... 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

HÁ UM ESPETÁCULO LONGE DO ESPETÁCULO...



Há um espetáculo longe do espetáculo,
Um palco todo escondido dos olhos de quem vê –
Lugar de silêncio e escuridão sem vida,
Onde um elenco de anônimos se veste de preto para a cada noite estrear uma peça nunca Aplaudida.

Antes de a cortina subir,
Como que ansiosos para sumir,
Esse time de fantasmas não existe para quem olha,
Fazendo da sua ausência o corredor de luz para que o ator brilhe
Ao ser visto.

Lados opostos e complementares de uma moeda –
Quando a Cara some é porque a Coroa quis dar às caras,
E se é a Coroa quem desaparece, não foi por outra coisa senão pelo desejo da Cara de ser coroada com o ar da sua graça.

Mas no caso do teatro a moeda é viciada,
Afinal, é sempre o ator o exibido,
E todo o resto que se contente com um tapinha nas costas de
Bom trabalho meu caro amigo...

O grande barato do teatro não é a ilusão daquilo que se cria,
O espaço de luz é apenas parte da brincadeira,
Cabendo aos cantos escuros dos bastidores a metade infalível de toda a magia.
A esses becos é que damos o nome de coxia.

E é lá que se dá o desmonte,
Quando as máscaras compostas escorrem na esteira de verdades forjadas...
É tudo mentira – graças a Deus – e disso bem sabemos,
Mas não demora muito e já inventar novas verdades queremos.

E lá se vai o ator, vestido e paramentado pelos anjos invisíveis,
Exército todo poderoso das alamedas sombrias,
Faces sem rosto,
De movimentos inaudíveis.

Há um espetáculo longe do espetáculo,
Um palco escondido a que todos desejam se abster,
E não fosse pelo maquinista-sem-nome subir a cortina,
Voltaríamos para casa sem nada ver.

Ao final, são os falantes os aplaudidos,
E ainda que exibidos,
Deveriam prestar reverências a quem os fez ver, sumindo.

O que seria do teatro sem as suas zonas de mistério?
Morte certa caso tudo fosse visível,
Engraçado pensar que há toda uma gratificação para quem não existe, existindo...
E muito!