Entre os animais houve um rateio de profissões e coube a
pomba o papel de lixeiro do mundo. Pobre coitada da pombinha que tem de
sobrevoar as metrópoles malcheirosas do mundo em cumprimento ao seu árduo
ofício. Mas a natureza é sábia e Darwin, chefe-mor do Poupatempo-zoológico, não
titubeou em carimbar a carteira de trabalho de cada bicho de acordo com o
focinho do candidato. E não é que ele tinha razão? Já imaginou um albatroz
elegantemente estacionado no topo da Catedral da Sé só à espera de uma lasca de
churrasco-grego atirada inadvertidamente ao chão? No instante em que esse
boing-penoso alçasse vôo em direção ao lanche desprezado, todos os camelôs
teriam forçosamente que recolher suas barracas made-in-Ponte-da-Amizade sob o
risco de darem adeus às suas mercadorias, engolidas pela lufada de ar das asas
do gigante destemido. O rei dos animais não poderia ser outro senão o leão, a
juba é que lhe dá esse direito! Tose o colarinho de um leão num pet shop da
esquina e ele voltará para o seu lar no máximo como um motoboy a serviço do
rinoceronte. Imagine se a girafa, com aquela cara de Mister Bean de pescoço
avantajado, poderia pleitear um cargo de respeito na repartição da savana
africana? Jamais! Aliás, é desse estigma que padece a hiena. Teria de tudo para
virar um bicho de dignidade irreparável não fosse sua risada de taquara rachada.
O cachorro só é o melhor amigo do homem porque não fala, no instante em que um
totó abrir a boca para comentar sobre as perspectivas em torno do futuro dos
acusados do mensalão ele perderá seu emprego de Sancho Pança da raça dos
sapiens. Na empresa da terra, os animais não falseiam, desempenham a tarefa que
lhes foi entregue e isso basta. Diferente de nós, humanos, que estamos o tempo
inteiro atrás de uma revisão a respeito do que somos ou poderíamos vir a ser. Essa
coisa chamada consciência vive nos pregando demissões por justa causa, nunca
satisfeita em ser o que é, porque já essa certeza – a de ser alguém, nos escapa
a cada instante. A regra é fingir, falsear, driblar, escamotear, constantemente
num exercício camaleônico de busca pelo emprego ideal que se encaixe na perfeição
dos nossos desejos. Nunca será encontrado. Darwin é o nosso inimigo mortal, não
há ocupação que combine com esse focinho empreendedor.
domingo, 9 de setembro de 2012
sábado, 8 de setembro de 2012
Somente o clips prevalecerá!
O clips prevalecerá! Para além de todos os esforços humanos,
será o clips o herdeiro da nossa mais bem sucedida passagem pela terra. O
sujeito que inventou o clips é um gênio, receberá como recompensa o merecido
descanso no reino dos escolhidos, sim, porque na corte do juízo final deve
haver um espaço importante para avaliar as patentes, e, nesse caso, por mais
libidinosa que tenha sido a vida do criador do clips, o autor desse pequeno
objeto metálico retorcido será salvo, deixando a nós, simples mortais incapazes
de inventar algo de grandeza comparável, entregues ao limbo fedorento do
capeta. Imagine a seguinte cena – o pai do liquidificador tentando convencer o
Todo Poderoso a lhe dar uma quitinete no paraíso, alegando que seu filho de pás
metálicas, motor elétrico e jarra acrílica foi um fiel servidor dos interesses
mundanos... pobrezinho, será triturado como uma vitamina de orgulho pecaminoso
no instante em que se deparar com seu concorrente maior ao posto de jardineiro
do Éden: o artista do clips! Insisto, nada nem ninguém poderá fazer frente ao
insuperável poder agregador de um clips, que embora um: clipe, já não se entrega ao singular, virando vários em um, exatamente como os peixes e pães multiplicados pelo filho redentor do Pai Celeste. Amém ao Clips, agora com maiúscula! Shakespeare só foi Shakespeare porque
em algum momento um clips medieval reuniu suas páginas poéticas num único
volume, evitando o que seria a maior tragédia não escrita de todos os tempos: A
revoada de palavras ao vento do esquecimento eterno... Hamlet se tornaria um
menino bobo em comparação a tamanho desastre, aliás, Hamlet não existiria,
assim como nenhuma dúvida metafísica poderia habitar em nós caso o clips não
tivesse sido inventado. Por que acham que Sócrates foi condenado a tomar
cicuta? Justamente porque o barbudo se recusava a por no papel aquilo que
pensava, insultando o clips como objeto dispensável às necessidades humanas....
veredito? Um processo em praça pública que o levou a morte, todo
circunstanciado em laudas e mais laudas, unidas de que maneira? Por um clips
grego, é claro. Pobre dos atores, poetas que desprendem o verbo da escrita,
creditando à garganta a sua potencia encantatória. Serão todos esquecidos.
Somente o clips prevalecerá! Nas futuras escavações, será o fóssil do clips que
testemunhará a nosso favor...
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
O Banheiro é o berço da filosofia...
O banheiro é o berço da filosofia, lugar de elucubrações
elaboradíssimas, arrisco a dizer que o ‘conhece-te a ti mesmo’ surgiu quando
perguntaram a Sócrates qual shampoo usar na hora do banho, o de cabelos secos
encaracolados, ou o destinado a cabeleira lisa passada na chapinha? E eis que o
filósofo devolve a batata quente ao ensaboado inquiridor: ‘conhece-te a ti mesmo
e saberás qual escolher, Dove reparador de pontas secas ou Pantene nutrição
total’; o trecho final foi surrupiado para dar a entender que a nossa filosofia
sempre foi fundamentada em temas metafísicos de seriedade suprema, mas de
metafísicos e sérios não temos nada, só a audácia de acharmos que somos
superiores a qualquer outra espécie que nunca teve de decorar a fórmula de
báscara para passar de ano no maldito ensino médio, ou fingir interesse no
julgamento do mensalão para justificar uma dignidade que nunca existiu em
nenhum de nós – às vezes me dá uma vontade louca de ter nascido um ouriço nas
Bahamas, um ouriço nas Bahamas tem a vida melhor do que a de qualquer um de
nós, mergulhado em tranqüilas águas quentes sem precisar se preocupar com o
Russomanno prefeito de SP ou mesmo em aprender logaritmo para provar aos
crustáceos circundantes de que ouriço que é ouriço sabe honrar os espinhos pontudos
que carrega... definitivamente um ouriço nas Bahamas tem uma vida melhor que a
nossa, freqüentadores de banheiros metafísicos. Mas voltemos ao banheiro. Hoje
de manhã tive uma experiência digna de nota, escovei os dentes com a pasta
close-up refrescância total sabor tutti-frutti, um bálsamo dos sabores bucais
que até agora desconhecia. Já reparou que a vida é assim mesmo? Alguns se
dedicam anos a fio dentro de um laboratório para encontrar o sabor exato do
tuttu-frutti dental (o hortelã-eucalípto é outra história!) de modo que você
sinta o prazer de pertencer a uma raça que se preocupa com tudo, até mesmo para
você ter o direito de não precisar se preocupar com nada, e é justamente nessa
ponta que eu me estabeleço. Nesse mundo de alquimistas das pequenas coisas eu
me coloco na posição de filósofo comedor de churrasco na laje, os outros que se
virem para inventar um fio dental talentoso que faça voar o resto de carne que
por ventura vier a estacionar nas frestas da minha dentadura... e é claro que
depois haverá sempre um banheiro metafísico com uma pasta dental saborosa à
minha espera. Às vezes eu tenho uma dó tremenda dos ouriços das Bahamas que não
podem desfrutar dos mesmos prazeres mundanos que eu...
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Ode ao umidificador...
Ganhei um umidificador de ar e minha vida mudou... em dias secos, ligo o meu umidificador; em dias não tão secos, também ligo o meu umidificador; em dias nublados, por que não ligar o meu umidificador? Já que toda hora é hora de ligar o seu umidificador, eu também ligo o meu umidificador em dias nublados; mesmo quando o mundo está virando um pão bolorento de tanta umidade, eu faço questão de ligar o meu umidificador. Umidificadores deveriam vir dentro da cesta básica, afinal, mesmo com o apocalipse batendo à porta, aquela fumacinha gelada e branca parece dizer: 'Ei, sorria, tá tudo bem, olha que delícia é a vida!' Parei com a terapia, agora é o meu umidificador que me ouve quando deito no divã...
A batalha das miudezas diárias...
Meditando sobre os dissabores dessa nossa triste vida, cheguei à conclusão de que vencer uma guerra é infinitamente mais fácil do que lidar com os pequenos entraves do cotidiano. Por exemplo, ontem estacionei meu carro bem próximo de uma pilastra, já imaginando que esse meu shape de faquir-do-rio-Ganges daria conta de se esgueirar para fora sem maiores problemas. Ledo engano... com metade do corpo já à salvo, eis que um pé resiste à tentação de abandonar o veículo e se engancha no vão entre a porta e a cadeira do motorista... ao tentar livrar o bendito cujo, meu bastonete de manteiga de cacau cai do bolso e rola galhofeiro para debaixo do automóvel (pequeno à parte: resgatar esse objeto era motivo de primeira ordem, tendo em vista que um cactus do Saara tem a pele mais sedosa e hidratada que a nossa, habitantes da capital da fumaça)... continuando, livro o pé e me abaixo para apanhar a manteiga fugidia e é aí que a mochila resolve despencar das minhas costas e espalhar todo o seu conteúdo no chão da garagem. Subo vivo ao meu apartamento e quando abro a porta a maldita maçaneta sai na minha mão... nem Winston Churchill saberia como consertar essa pequena peça da engenharia doméstica. Morrendo de fome, tento abrir um vidro de palmito que deve ter sido lacrado na época da santa ceia, porque mesmo evocando fervorosamente o espírito santo (ou o preto-velho do candomblé) a coisa insistia em permanecer fechada... resumindo, é muito mais fácil decolar no Enola-Gay e lançar uma bomba atômica no cocuruto dos comedores-de-sushi do que enfrentar a gincana diária da vida...
Marcha contra os pintassilgos...
Tem um maldito pintassilgo, ou o que quer que o valha, que insiste em pousar numa árvore próxima à minha janela para diariamente me convocar ao serviço de feirante antes mesmo do seu parente galo acordar. Já tentei de todas as maneiras avisar o desgraçado do pintassilgo, ou o que quer que o valha, de que feirante é a galinha-da-sua-mãe-me-deixe-do
é galinácea e sim herdeira das aves agourentas do inferno! Ando bolando um plano para abater o tal do pintassilgo, ou o que quer que o valha, e antes que a APDP - Associação de Proteção aos Direitos do Pintassilgo - venha me processar por crime contra à natureza, faço questão de redigir um convite escrito de próprio punho para que todos os defensores do pintassilgo desse mundo repousem uma noite no meu quarto para sentir na própria pele o que é ser intimado a carregar no lombo uma caixa de couve no CEASA, só peço que haja certa organização nesse procedimento para que minha humilde residência não se transforme na nova Aparecida do Norte, com legiões de fiéis ao pintassilgo vindo acampar em cima do meu colchão. Além do mais, há que se preservar a dignidade da raça humana, raça essa que trouxe aos seu pares figuras ilustres tais como Aristóteles, Sócrates, Ronaldinho Gaúcho e Gretchen, nomes infinitamente superiores à toda cadeia de pintassilgos que já voaram por esses ares esfumaçados. Portanto, chega de me sentir o Pato Donald tentando roncar feliz e agarrado ao seu travesseiro, vou seguir o conselho de Hamlet: 'o mundo está fora dos eixos. Maldito o dia em que eu nasci para pô-lo no lugar!'...
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Diário de um homem preso dentro d’uma garrafa lançada ao mar...
É isso, enfiei-me dentro d’uma garrafa e lancei-me ao mar, sujeito ao sabor das ondas, ao curso das marés, às intempéries variadas. Uma rolha preserva o pouco de ar que aqui dentro respiro, e impede que a ventania lá de fora traga para dentro a água salgada, afundando-me para sempre das vistas dos habitantes da terra e do ar. Girando nessa superfície lisa e cambaleante, olho para cima e vejo a imensidão do céu, abaixo de mim o fundo invisível do solo marinho, dois cenários opostos e de grandezas imensuráveis. Pertenço a esse lugar de intervalo dos infinitos, equilibro-me na beirada do abismo para que veja o quão ínfima é a minha capacidade de alterar aquilo que me rodeia. Um passo adiante e o mundo me engole, sem testamento que dê continuidade as minhas patéticas pretensões de permanência. Onde estou é impossível falar, o silêncio se faz absolutamente necessário para todo aquele que quiser seguir o meu exemplo e se atirar dentro de uma garrafa para os braços do oceano. O eco de uma única palavra pronunciada aqui dentro já seria suficiente para romper o meu tímpano, já muito castigado pela surdez barulhenta da superfície. Permaneço em silêncio para escutar a vibração vazia do movimento que me carrega para longe. Trago comigo um pedaço de papel, mas não espere que eu produza um documento com as poucas ideias que ainda me sobram, o motivo da minha escrita é estritamente pessoal e só me dou a esse direito para celebrar a impossibilidade de ser útil ao leitor que por ventura vier a compartilhar daquilo que vivi. Por isso que escolho enfiar-me numa garrafa, a ideia é não esperar por resgate, e se por acaso aportar na sua ilha, será apenas por uma breve ocasião, sem qualquer direito a visto de permanência. Logo voltarei ao oceano para nunca mais vê-lo. Meu destino é flutuar por esse horizonte azul, longe dos barcos e das cartas náuticas. O que falta ao mundo é a impertinência dos náufragos anônimos, seres de alma corajosa que se atiram ao mar para fugir do conforto das ideias comuns. Desisti de tudo, tornei-me um exilado. Emigrei para longe dos trecos contemporâneos, esvaziei meu coração dos mimos sentimentais dessa nossa época de neuróticos depressivos. É nesse lugar em que estou, totalmente liberto das demandas de qualquer partido político, feliz pelo direito de crer e duvidar de tudo ao mesmo tempo e a qualquer hora. Um Brás Cubas engarrafado. Morri para o mundo.
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