quinta-feira, 24 de maio de 2012

London Fog



Olha, não sou patriota. Brasil? Só na copa e nas olimpíadas, ou quando estou no estrangeiro - aí sim vale a pena estufar o peito canarinho. Fora isso, neca de pitibiriba! Não faço a menor ideia de como cantar o hino, só sei que tem alguma coisa de 'mãe gentil' no meio. Aliás, sou anti-patriota, um xenófobo ao contrário, praticamente um talibã argentino infiltrado em terras tropicais. Ainda visto uma burca e subo o corcovado enrolado numa cinta de dinamites e peço pra aquele senhor de pedra-sabão fechar os braços, porque benção nenhuma tá adiantando (Roberto Carlos que não me ouça). Se não quiser me obedecer: booom. Se nevasse seria outra coisa, com neve tudo se conserta - veja uma foca, é um bicho instruído, educado e sensível... o que dizer então do pinguim imperador? Veste fraque e tudo. Com neve tudo se congela, inclusive o rebolado do Michel Teló, o bate-cabelo da Joelma do Calypso... até cachoeira congela. Eu sou da neve, tomo chá às 17hs todo dia. Aliás, sou inglês, tenho certeza disso - a cegonha me derrubou depois de um espirro imprevisto no meio do caminho, estava indo pra Londres. Jogaria fácil uma partida de xadrez com a rainha... depois sairia atrás de uma raposa peluda com minha matilha de beagles. E aqui estou eu, no fog de carburador, cheirando o Tâmisa do Cebolão. Mas uma coisa salva, uma coisa me torna patriota até a raiz dos cabelos que ainda me restam: Machado de Assis. Machadão é genial, tão genial que deveria ser proibido, proibido para poder ser lido, não obrigatório para ser decorado, como acontece nas academias e escolas por esse rincão afora. Acho que Machado era inglês como eu ('Assis Axe', tradução do bruxo para o inglês) - veio de mulato carioca só pra fazer um exercício antropológico, depois voltou para Windsor, onde até hoje toma chá com Oscar Wilde e Shakespeare. Enfim, ai ai, que preguiça... que calor!

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O mimimi da Xuxinha...



O diagnóstico do nosso tempo é o da crise gigantesca da carência afetiva levada ao palanque da praça pública. Tornamo-nos idiotas-sentimentais, crendo que o espaço comunitário deveria ter por obrigação sanar nossos complexos-psicóticos. Incapazes de lidar com a solidão, com o silêncio e com as angústias inerentes a própria aventura da vida, recorremos ao outro na esperança de que ele nos livre de qualquer tormento aflitivo. Babacas-emotivos que acreditam na revelação das entranhas como um atestado de maturidade. Maturidade do ego inflamado, deva-se dizer. O ator se esquece do mundo para abrir seu livrinho de recordações e exige do outro que testemunhe sua sessão de cura, uma verdadeira sessão de masturbação auto-referente. Existe uma ideia bastante equivocada, típica do nosso ocidente-ilustrado, de que os mecanismos para se chegar a essência dos fatos são como ferramentas que iluminam cada canto escuro, deixando transparecer tudo e qualquer coisa aos olhos sensíveis do observador. O esforço é tão inútil quanto o seu resultado - fala-se mais do cientista que observa do que de alguma resposta que o mundo possa ter revelado. Essa precisão cirúrgica só pode levar ao enaltecimento do ego. O movimento urgente é o inverso disso: esconder, ao invés de iluminar; antes de tornar claro, sujar. Somente através da reconquista do mistério enquanto terreno de diálogo é que poderemos recupar um sentido ético e humano do que um dia foi o espaço público.

sábado, 19 de maio de 2012

A substância da poesia...


A falcatrua, os excessos, a pilantragem, a corrupção, os absurdos, enfim, o homem naquilo que tem de essencial, tudo isso deve ser motivo de admiração, não de indignação. Essa é a fórmula do artista - se equilibrar na beirada do precipício, respirar profundamente e render reverências à queda iminente. Deixemos a indignação para os demagogos, retóricos, políticos, padres, filósofos, cientistas, enfim, a todos aqueles que ainda acham possível tapar o vazio com alguma substância.

domingo, 13 de maio de 2012

O que acontece com a arte e com o teatro? Meu humilde diagnóstico...


O único esforço verdadeiro é aquele que é medido pela escala do impossível, que nos exige sacrifícios e caminhadas na beira do abismo, tudo sob o risco de escorregar, despencar e cair. Para encarar tal travessia há, necessariamente, uma seleção dos aventureiros. A solidão é fundamental para o viajante que põe os pés nessa estrada. Antes de alcançá-la, é seu dever provar que reúne qualidades suficientes para enfrentar o desafio. Nem todos estão aptos a acomodar o risco do fracasso dentro da mochila, nem todos sabem que para se colocar em movimento é fundamental desenvolver previamente músculos fortificados, a grande maioria já se apresenta atrofiada na preguiça e sem a ferramenta fundamental para qualquer explorador manter-se vivo: a imaginação. A solidão qualifica o aventureiro, ainda que o mundo tente o convencer a não partir. A dureza dos tempos atuais está na democratização de tudo quanto é passaporte, a onda de excursionistas que invade os territórios antes misteriosos e inatingíveis mata a possibilidade do impossível, esgotando as forças dos poucos aventureiros que ainda restam. As grandes travessias agora perdem para o GPS. A solidão criativa não sobrevive frente ao fuzuê dos grupos de turistas. Ao invés de silêncio, barulho. Antes concentração, agora risos tresloucados. Democratizar o impossível é o passo decisivo para a morte das grandes empreitadas criativas.

domingo, 6 de maio de 2012

O que a música e os músicos me ensinam...



É uma parte, apenas uma parte, pensada e executada na plenitude do seu significado, da sua sensação e importância em relação ao resto. Uma fração que sozinha pode não ganhar a dimensão do que representa, mas quando combinada com as outras vozes que a circundam, aí sim, eis a potência que germina. Uma frase, não uma sentença completa, uma sílaba, talvez apenas uma letra, só o suficiente para deixar espaço para que o diálogo se estabeleça, uma escuta do vazio, da pausa e do silêncio. Silenciar para poder falar, se ausentar para poder estar. Um traço, somente um traço, executado como se fosse a manifestação divina do primeiro sinal de vida no universo. Um batismo que ainda irá eclodir. Não há inteireza no particular, não há universos completos, nunca se chega a apoteose alguma na solidão do íntimo, mas é nesse lugar que é preciso investir, não para se contaminar com a poesia do coração - qualquer coração, por mais especial que seja, nunca estará a frente das forças que movem o universo -, mas para o tornar pulsante, único e atento aos órgãos vizinhos. Busca-se o universal, as grandes instâncias geradoras da vida, ousa-se investigar os campos misteriosos da metafísica, de outra maneira, não valeria a pena investir nos canais da percepção. A vida que conhecemos é por demais sem graça para virar protagonista de qualquer coisa. O particular, entendido como fração, ganha preenchimento e força, é ao mesmo tempo único e global, faz parte e é ao mesmo tempo o organismo que representa. Tudo em um, o um no todo.

sábado, 5 de maio de 2012



Acabo de ver um adestrador de cães em ação. A praça da esquina virou uma sala de aula. Seus alunos eram compostos por três dobermans - desses de focinho sério com cara de executivo-de-firma - dois borders-collie e um pitbull velho, que pelo semblante e posição na grama parecia ter acabado de levar uma bronca e sido sentenciado a não levantar o nariz do chão até segunda ordem. Fiquei admirado. O professor pedia algo e os alunos respondiam, um de cada vez e sob comandos individuais, todos sem coleira ou guia, na maior cartilha britânica... fiquei com a impressão de que se alguém perguntasse qual é a fórmula de báscara, um dos executivos de focinho sério - os mais cdf's da turma - levantaria a pata para responder, piscando o olho zombeteiro pro aluno de castigo: 'tsc, tsc... moleza!'. Eu via tudo isso com a Naomi Campbell, minha labradora-anciã-de-barba-branca que fora educada sob os preceitos libertários da escola construtivista. A cena nos captava a atenção, era realmente um espetáculo da ordem e da disciplina... só fui interrompido do meu transe pela própria Naomi que, esfregando disfarçadamente o focinho na minha perna, soprou a meia voz: 'vâmo embora antes que a carrocinha me confunda com uma delinquente-fugitiva da Febem'.


Popularização da cultura, popularização da educação, popularização dos bons costumes... cota pra isso, cota para aquilo e viva a liberdade, igualdade e fraternidade (parece campanha do Vaticano). Antes que me chamem de nazista, já que quem desconfia do povo só pode ser um carrasco-assassino (a multidão sempre é boa, malvados são os que se acham no direito de se destacar dela - o velho e rentável melodrama de sempre!), e mesmo sabendo que todos os absurdos que a história já registrou tiveram participação direta ou indireta dessa mesma massa humilde e sem rosto, gostaria de dizer que sou totalmente contrário a essa experiência de nivelação generalizada, onde tudo é acessível e ao alcance das mãos - e a ideia de que a prática desse procedimento nos garantiria uma sociedade mais justa e humana. Ao contrário, nos tornaríamos mais mentecaptos e manipuláveis. Deveríamos ter desde sempre o direito à consciência das diferenças e se somos todos iguais em direitos também somos diversos em potencialidades - e não estou advogando à favor dos inteligentes, bonitos e espertalhões em demérito dos fracos e incapazes, estou somente afirmando que somos diversos e há coisas que uns podem fazer e outras coisas que deveríamos saber que não estão disponíveis à nossa competência. Todos tem o direito de buscar a excelência dos seus objetivos, todos tem o direito de emancipar suas inteligências (pra reivindicar a burrice melhor seria ter nascido pombo da Praça da Sé, não?) mas não me venham com a sugestão de implodir com as fronteiras do mundo como se o passaporte livre fosse garantir algum tipo de crescimento intelectual e humano. O teto da Capela Sistina só é o teto da Capela Sistina porque está dentro da Capela Sistina... colocar a obra do Michelangelo exposta num toldo da 25 de Março não trará benefício algum de cultura para os ambulantes, além de desmoronar tudo o que de belo há nessa pintura, projetada para ser experienciada por aqueles que se dispuserem a entrar dentro da tal Capela Sistina. Ufa! Pronto, agora podem me chamar de soldado da SS...