quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Perguntaram ao fuzilado o que ele preferiria, ser vestido com terno escuro e gravata vermelha, ou algo mais informal, talvez uma calça jeans e camiseta branca, ou quem sabe até uma bermuda florida e regata cavada. Como recusava-se a pronunciar qualquer coisa a respeito - todo fuzilado tem por lei o direito de permanecer quieto - a autoridade legal foi obrigada a recorrer aos familiares para resolver a pendenga, e como familiar nenhum havia por ali, a questão teve de ser protocolada e um ofício timbrado chegou ao ministro da justiça que, nutrido de um senso arguto de humanidade, concedeu ao fuzilado uma segunda e última chance para que escolhesse a sua indumentária fúnebre, ao que se seguiu, como se sabe, novo silêncio, dessa vez um silêncio ainda mais austero, um tipo de silêncio só atribuído àqueles fuzilados de sólido e irrestrito caráter, ou teimosia, tanto faz. Furioso, o ministro da justiça decretou então que o fuzilado deveria ser abandonado a sua própria sorte e aos sabores dos abutres, e, morto como estava, teria para si bastante tempo para pensar na atitude que havia escolhido, uma vez que o estado está à disposição dos seus concidadãos, fuzilados ou não fuzilados, justamente para protegê-los de situações vexatórias que venham por ventura ferir a dignidade dos seus filhos. E assim se fez. E o exemplo até hoje permanece na consciência geral. Um sábio alerta de que governo nenhum quer o mal de ninguém, muito ao contrário, seu princípio magno é garantir a ordem, o amor, a paz... bem como o conforto vestuário aos governados. 
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