Uma família que
estava de mudança afixou no portão da casa uma generosa faixa com os dizeres em
letras garrafais e coloridas: 'Família Vende Tudo'. E foi um enorme sucesso. O
pai e a mãe, ainda em bom estado físico, incluindo arcadas dentárias vigorosas
e alvas, foram vendidos juntos para um casal de australianos que por acaso do
destino passavam férias no local e não puderam resistir à promoção. O avô, já
biruta mas nem por isso imprestável de todo, ou talvez porque fosse biruta
mesmo, foi arrematado pelo dono de um circo e logo tornado atração depois do
número dos poodles dançantes. Passou-se a chamar Palhaço Dodô. O pequerrucho
William, mais mimado que um exército de bonequinhas de cera de bochecha rosa,
acabou sendo alvo de uma disputa bélica entre uma senhora que há pouco perdera
a companhia de um papagaio que já andava decrépito e gaguejava a sílaba 'ca'
todas as vezes em que pedia 'quero café, quero café', e o dono do instituto de
soros antiofídicos, doutor BougMarten, bastante necessitado que estava de uma
cobaia humana jovem para testar antídotos contra a picada de uma nova espécie
de cobra encontrada na ilha de Madagascar. Venceu a dona Leocádia, a senhora do
papagaio morto. Corre à boca pequena que o pequerrucho William, ao contrário do
finado papagaio, não gagueja, além de pronunciar o erres como ninguém. Enfim,
depois de todos vendidos e finda as mudanças, sobrou o cachorro, Zacharias, um
perdigueiro marrom de focinho úmido, que hoje toma conta de toda a propriedade,
podendo ser visto por quem se debruça na janela do lado de fora fumando seu
cachimbo, sentado numa poltrona dentro da biblioteca, lendo 'Crime e Castigo',
romance preferido, e de seu autor favorito...
...
...
Nenhum comentário:
Postar um comentário