sábado, 3 de novembro de 2012

[scratch, scratch, scratch]



Senhoras e senhores, uma revelação importante: estou a me coçar. Nesse exato instante de profundo tédio metafísico, no auge desse nosso mormaço existencial a qual nos embarcaram sem qualquer autorização ou visto de entrada, justo agora, no aguardo iminente de uma luz celeste: coço-me. Mas antes de maldizer a providência divina por ter me escolhido como o portador terreno da micose epitelial, resolvo exercer a generosidade típica dos seres abençoados, mártires sofredores do calvário, e então raciocino comigo mesmo para enfim dobrar-me ao destino: vinde a mim, ó pequenas afetações cutâneas. Na verdade, penso eu, coçar-se é uma ação extremamente prazerosa, a recompensa dos justos, daqueles que cumpriram com o seu dever de ajudar ao próximo para receberem em troca o bálsamo do alívio físico, transferindo aos dedos, ou melhor, às unhas dos dedos, o ofício de libertar a carne do seu agouro momentâneo. Senhoras e senhores: coço-me, logo existo. Sim, porque aquele que coça, a despeito das maravilhas presentes no ato de coçar, significa, para além de tudo, que o alvo do agente coçador está vivo e, portanto, sujeito a todo tipo de coceira, das mais brandas até as mais poderosas, essas últimas capazes de derrubar o dito cujo numa experiência para lá de frenética quando o corpo inteiro pode tremelicar na urgência de dar conta de ser coçado. Ah, senhoras e senhores, estou vivo, e justamente por isso, me coço. Quantos não são aqueles que já estando mortos e, portanto, não-vivos, não podem estufar o peito e dizer: ‘oh [scratch, scratch, scratch] que delícia de coceirinha que hoje veio me visitar?’ Os prazeres frugais da vida são os ingredientes que nos dão suporte para filosofar, caros senhores de infortúnio... e, quando a situação lhe parecer insustentável, lembre-se sempre de que uma benfazeja coceira pode vir a resolver a mais cabeluda das crises. Ah... coço-me! 

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