Senhoras e senhores, uma revelação importante: estou a me
coçar. Nesse exato instante de profundo tédio metafísico, no auge desse nosso
mormaço existencial a qual nos embarcaram sem qualquer autorização ou visto de
entrada, justo agora, no aguardo iminente de uma luz celeste: coço-me. Mas
antes de maldizer a providência divina por ter me escolhido como o portador
terreno da micose epitelial, resolvo exercer a generosidade típica dos seres
abençoados, mártires sofredores do calvário, e então raciocino comigo mesmo
para enfim dobrar-me ao destino: vinde a mim, ó pequenas afetações cutâneas. Na
verdade, penso eu, coçar-se é uma ação extremamente prazerosa, a recompensa dos
justos, daqueles que cumpriram com o seu dever de ajudar ao próximo para
receberem em troca o bálsamo do alívio físico, transferindo aos dedos, ou
melhor, às unhas dos dedos, o ofício de libertar a carne do seu agouro
momentâneo. Senhoras e senhores: coço-me, logo existo. Sim, porque aquele que
coça, a despeito das maravilhas presentes no ato de coçar, significa, para além
de tudo, que o alvo do agente coçador está vivo e, portanto, sujeito a todo
tipo de coceira, das mais brandas até as mais poderosas, essas últimas capazes
de derrubar o dito cujo numa experiência para lá de frenética quando o corpo
inteiro pode tremelicar na urgência de dar conta de ser coçado. Ah, senhoras e
senhores, estou vivo, e justamente por isso, me coço. Quantos não são aqueles
que já estando mortos e, portanto, não-vivos, não podem estufar o peito e
dizer: ‘oh [scratch, scratch, scratch] que delícia de coceirinha que hoje veio
me visitar?’ Os prazeres frugais da vida são os ingredientes que nos dão suporte para
filosofar, caros senhores de infortúnio... e, quando a situação lhe parecer
insustentável, lembre-se sempre de que uma benfazeja coceira pode vir a
resolver a mais cabeluda das crises. Ah... coço-me!
Excelente! parabéns!
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