quarta-feira, 6 de maio de 2009

Prólogo para um vizinho egoísta


Eis, amigos, aquele que por pura perspicácia pulou para o lado do legislador, aquele que aproveitou da conveniência para depositar confiança no outro que outrora ignorava.

O asfalto que hoje pisa, moeda da benevolência, é o motivo da sua gratidão. Antes a poeira do descaso, hoje o negrume acético, guardião do bem-estar.

Eis, amigos, aquele que ostenta o jardim defronte a sua casa, o mesmo que fora adubado pelo esterco dos interesseiros e que hoje interessa a narinas merecedoras. E ele o fez por merecer.

Eis, amigos, aquele que é teu vizinho, sujeito de língua ímpar, engolidor das salivas da ética e portador do broche da boa moral.

Eis, amigos, nosso ventríloco da justeza, defensor daquele que existe para lhe dar o verbo.

Eis, amigos, o nosso maior representante: o homo-hipócritas.

AVE HOMO-HIPÓCRITAS.

Tu, homo-hipócritas, que praguejas interjeições nefandas sobre tua pobre sorte nesse mundo em que habitas,

Tu, homo-hipócritas, que desejas uma justiça menos cruel capaz de tornar tua existência menos imprestável nesse mundo de espertos,

Tu, homo-hipócritas, que fazes uso de teu maxilar para mastigar com nojo e revolta os impropérios alheios,

Tu, homo-hipócritas, que nascestes para exigir teu direito de navegar por águas calmas e doces,

Tu, homo-hipócritas, que trajas o manto imaculado da erudição, adornado pelas pérolas da boa conduta,

Tu, homo-hipócritas, que elegestes o líquido da temperança como fluído vital a percorrer por tuas veias azuis,

Tu, homo-hipócritas, que recusas o palanque por temer ou duvidar do som que amplifica tua angústia,

Tu, homo-hipócritas, que encontras respaldo na fortaleza das instituições sagradas, no berço da família e nos tijolos do saber acadêmico,

Tu, homo-hipócritas, que labutas para lamber o suor do sacrifício como honra ao mérito pelo teu sofrimento,

Tu, homo-hipócritas, que diriges teu olhar ao chão em busca de um terreno só teu,

Tu, homo-hipócritas, que agradeces ao asfalto terreno sem se dar conta do escuro sombrio que engendra o firmamento estrelado,

Tu, homo-hipócritas, é apenas mais um, aquele ao qual compadeço e chamo de irmão.


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escrito por Francisco Carvalho; quinta feira, 7 de maio de 2009, às 1:12 da manhã.

Um comentário:

  1. Belíssimo texto, Chico! Belo desfecho. :-)
    Parabéns!
    Cris.

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