domingo, 10 de maio de 2009

Ah que saudades, grande Diderot!


Ah, Diderot! Quantas saudades daquele seu ator! Aquele que entrava em cena pelos trilhos da inteligência e aquecia os nossos corações com sua performance da humildade.
Aquele mesmo que ao encharcar as mãos de sangue nos olhava de soslaio – sem que percebêssemos – para perguntar em silêncio se a tragédia que contava chegava até nossos espíritos.

Ah, Diderot! Quantas saudades daquele seu ator! Fiel representante de uma arte que a cada dia se esvai na torrente de lágrimas enquadrada pela tela plana das televisões de plasma. Ainda se o palco estivesse a salvo de tamanha inundação!

Pobre Shakespeare! Onde foram parar os corajosos artistas contadores de história? Por que será que virou crime o exercício do ator que, despido de vaidade, se dirige de cara limpa para a platéia?

Muitos são aqueles, ó pai do século das luzes, que condenam o seu ator por insensibilidade ou, ainda pior, por falta de entrega ao ofício. Será que não percebem que essa pedra de gelo cabe muito mais aos auto-piedosos do que aos inteligentes?

Ah, grande formulador das enciclopédias! Como ensinar que soluços e engasgos não são atalhos confiáveis para a arte recriar a experiência da vida? Como esclarecer que o seu ator torna-se vivo aos nossos olhos justamente por optar pela incompletude – distante da onipotência daquele que chora para impressionar aos outros e a si mesmo?

O seu ator, ó grande Diderot, não arma gatilhos emocionais como ferramenta para glorificar o seu talento – aí está o que chamo de vaidade e, inclusive, egoísmo. Seu ator, ó Diderot, espera na absoluta ignorância o contato com o público para a partir dele estabelecer um espaço de construção criativa. A criação da verdadeira arte se dá entre o ator e o espectador. Eis um exercício de humildade carregado da mais alta dose de sensibilidade e emoção.

O ator vaidoso chora para mostrar como é virtuoso, nega o espectador como elemento criativo e se encerra em uma redoma de auto flagelação. Não será esse, ó sábio Diderot, aquele que merece o título de homem de gelo? Impenetrável em sua particular sofreguidão?

Os tempos são outros, saudoso Diderot, parece que hoje até mesmo uma lista telefônica torna-se matéria prima para os nossos atores encherem os olhos de lágrimas. Antes de compreenderem para que número estão discando despejam em jorros seus rios lacrimosos esperando do interlocutor um outro soluço de compaixão.

Ah, Diderot! Quantas saudades daquele seu ator! Aquele que fazia da mentira um exercício de prazer. O mesmo ator que dava as mãos a sua personagem para apresentá-la a nós, curiosos espectadores. Saudades de Shakespeare que divertia-nos como nunca ao mostrar o quão fantástico é viver em um mundo articulado por títeres invisíveis, ou talvez visíveis até demais.

Que paradoxo é esse, ó grande Diderot, que estimula as pessoas a arrancar de algum lugar uma verdade, custe o que custar – verdade? Que verdade? – sendo que esse mesmo esforço não produz mais do que um leque imenso de novas mentiras?

Oh, Diderot, quantas saudades!

Escrito por Francisco Carvalho. 10 de maio, às 14hs.

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