quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

POR QUE CAPITU NÃO ME TRAIU?


Agora virou regra... se bem que, confesso, posso estar equivocado ou mesmo ligeiramente embriagado, culpa, talvez, da névoa festiva que nessa época natalina mistura champagne com uva passa. Esteja eu ébrio ou sóbrio, não importa, o fato parece-me repetir aos olhos: todo ano tem o seu Janeiro marcado pela estréia glamurosa do Big Brother Brasil enquanto a saideira do mesmo período, lá pelas bandas de dezembro, eis que surge Luiz Fernando Carvalho com mais uma de suas minisséries-cabeça. Como um corpo que inicia pela ponta dos cabelos e termina na unha do dedão do pé, ambos os extremos, BBB e Capitu, desfilam tão desconexos que não fosse o recheio dos órgãos para uní-los diria que são tão estrangeiros quanto o calendário chinês que não fala a mesma língua do nosso companheiro Gregoriano.

Capitu estreou e com ela a doce sensação de que a dramaturgia brasileira ganha um respiro de poesia pelas mãos habilidosas de Carvalho. Somente a premissa de adaptar obras literárias para as telas globais, já tão modorrentas pela velha e moribunda ladainha folhetinesca, mereceria louvores do Olimpo. Zeus está feliz e eu também estou. Para aqueles que avaliam o esforço de Carvalho como hermético e distante da compreensão da grande massa, saibam que essa é, ao meu ver, uma das maiores qualidades desse grande artista contador-de-estórias. Isso porque o sentido da criação não vem antes das tabulações estatísticas que garantem o que o grande povo quer ver e, portanto, vai consumir. Consumo, eis a moeda de barganha que Luiz Fernando Carvalho faz questão de se distanciar. Capitu não existe para ser comprada, mastigada, deglutida e defecada como a grande parte dos pacotes-laxante da dramaturgia brasileira.

O exercício para acompanhar Capitu é maior, exige tempo, tempo para contemplar. E quando esse estágio de fruição é alcançado – não sem uma certa dose de sensibilidade – a menina de olhos oblíquos e dissimulados não se apaga da nossa mente como acontece na maioria das experiências “pseudo-estéticas” de hoje. Capitu permanece e junto com ela o maravilhoso tratamento cenográfico e musical de toda a minissérie. Isso sem contar a performance dos atores. A poesia aqui ganha pelo ritmo da montagem, pelas sombras impressas no rosto das personagens, pela combinação de um texto magistral com a ousadia de torná-lo audível em um suporte inimaginável pelo nosso Bruxo maior do Cosme Velho. Capitu é difícil? Claro que é... e quem disse que a poesia tem de ser fácil? Mais um de nossos bichinhos de estimação devidamente tosados e comportados? “Dê a pata!” Luiz não dá! “Rola no chão” Capitu, galhofeira, ri com o canto da boca. Não, a preguiça da obediência não faz parte do universo da arte, muito menos é materia prima da poesia. Carvalho acerta pelo incômodo e ganha pela clareza do que quer: contar uma estória, tão somente.

Janeiro está aí e na rabeira dele eis que vem o BBB. Reparem! Um celeiro de novos talentos para as novelas televisivas. Uma indústria da repetição de padrões eleitos pelos publicitários marketeiros. A ordem é reverter em dinheiro o sotaque caipira das modelos de talento dramático. E que drama! Como a linda Grazi Massafera sabe chorar! O público, narcotizado, mal se dá conta de que dá a volta em círculos em um roteiro que prima pelo conforto: “sinta-se em casa e espie a vontade”. O mundo é belo e cheio de alegrias, para que escurecer o cenário? Misturar rock com Villa-Lobos? Qual o sentido disso? Linguagem empolada, difícil... ai que preguiça!

Capitu já passou mas ficou na lembrança. Imprimir memória, estimular experiências... eu prefiro o complicado dos olhos dissimulados e oblíquos do que a torrente de lágrimas verborrágicas e fáceis. Viva Luiz Fernando Carvalho!

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