sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

ODE AOS MARCIANOS!



O RÁDIO COMO CONTADOR DE ESTÓRIAS


Há exatos 70 anos, no ano de 1938, para ser ainda mais preciso, no dia 30 de outubro daquele ano, um americano qualquer que se dignasse a sintonizar o seu aparelho de rádio no dial da estação CBS tomaria um grande susto: um ataque marciano a terra estava em curso. Em pleno dia das bruxas – e na efervescência da expectativa pelo início da 2ª guerra mundial - entrava no ar a dramatização radiofônica do romance "A Guerra dos Mundos" de H.G. Wells, feita pela equipe do ator e diretor Orson Welles. A brincadeira era precedida por um aviso de que os fatos narrados não passavam de mera ficção mas, como era de se esperar, nem todos os ouvintes tiveram o espírito de ligar seus aparelhos de rádio a tempo de filtrar aquilo que ouviam de notícia por faz-de-conta. O resultado da galhofa radiofônica iria superar por muito o cenário imaginado pelos mais ambiciosos diretores dos blockbusters de ação do futuro: centenas de milhares de americanos desesperados com a invasão dos alienígenas verdes sairiam as ruas. Estradas lotadas de motoristas em fuga, corajosos fazendeiros empunhando suas escopetas terrenas, legiões de famílias em busca de esconderijos formariam o cast de figurantes dessa poderosa encenação levada a cabo unicamente pelas ondas do rádio.

Deixando de lado as implicações éticas da empreitada tragicômica de Welles, o exemplo nos oferece uma idéia magnífica do poder das sugestões sonoras como estímulo à imaginação. Cada ouvinte pintou para si um exército de cavalaria-verde e por ele se deixou impressionar, mesmo sem nunca o ter visto reproduzido por qualquer imagem. A imagem, porém, não deixou de existir – ela foi concebida e idealizada individualmente por cada ouvinte. É o que poderíamos chamar de um verdadeiro exercício autoral de criação.

E hoje? Será que o rádio dos tempos atuais mantém a mesma força de persuasão à imaginação? Difícil. Quem sintoniza o rádio nas grandes metrópoles não foge às toneladas de informações jornalísticas sobre trânsito, política e economia. O ouvinte de Welles que imaginara acompanhar uma cobertura jornalística da invasão marciana em Nova Iorque hoje não teria dúvidas: o que se ouve perdeu o sentido do mistério, os alienígenas estão todos domesticados, pintados da mesma forma e prontos para tomar o chá da tarde educadamente em nossa companhia. E mais, que efeito teria uma "Guerra dos Mundos" moderna? Caso um radialista espirituoso tomasse os microfones de uma grande emissora e anunciasse enfaticamente que ao planeta terra restaria apenas algumas horas de existência.... quem acreditaria? Para desmentir o delírio bastaria ao ouvinte abrir o flip do seu celular e conectá-lo às informações on-line, ou então levantar a tela do seu lap-top, quem sabe acionar o controle remoto da televisão... enfim, os marcianos estão em baixa. Nem mesmo o que é reconhecidamente ficção - novelas, filmes, seriados – consegue, na maioria das vezes, abrir espaço para um espectador criativo que se dá ao direito de imaginar a sua própria versão individual da aberração extraterrestre. A imagem, da maneira como ela é pensada nos meios de comunicação de massa, parece sepultar com pá de cal o mistério da incompletude do som.

Pensando em devolver à linguagem radiofônica um pouco do mistério perdido em favor da clarividência informativa, um grupo de radialistas recém formados resolveu unir esforços e seguir na tentativa de estruturar, adaptar e criar estórias a partir do som – voz, música, ruídos. A Boneco de Olinda Produções surge da vontade comum de elaborar uma dramaturgia sonora para incluir o ouvinte como parte ativa dentro do processo criativo. A nós cabe a monumental tarefa de oferecer novamente a possibilidade do assombrar-se com algo desconhecido e obscuro (o som) e deixar a seu cargo, caro ouvinte, o desafio de enfrentar a sua própria imaginação. Sejam bem-vindos todos os extraterrestres verdes... azuis, rosas, roxos, brancos, pretos, amarelos....

2 comentários:

  1. Olá,

    Adorei o Post sobre a série "Capitú", vc conseguiu colocar em palavras tudo aquilo que senti ao assisti-la. Vc chegou a ler a critíca do Diogo Mainardi (Revista Veja) sobre a mesma?
    Ab

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  2. Ei!
    Obrigado pelos elogios ao meu texto sobre a "Capitu". Li a crítica do Diogo Mainardi e repliquei ela com nova publicação no Blog! Dê uma olhada quando tiver tempo. Vou adorar saber das suas impressões.

    abração!

    Chico

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