quarta-feira, 26 de novembro de 2014

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Fábulas: # Guilhermino Constâncio, ou, A verdade e nada mais do que a verdade...


Guilhermino Constâncio gabaritava-se de ser o dono dessa fina espécie de escrúpulo em extinção cujo resumo poderia ser bem pintado como o compromisso primordial com a verdade e nada além da verdade. Aliado à ponderação matemática que cuida de somar isso mais aquilo para que desse isto sem pôr nem tirar quiçá pestanejar, Guilhermino Constâncio primava por perseverar entre o último dos dialéticos à serviço da corroboração fiel e imparcial dos fatos. E quando naquela manhã abriu o jornal e leu o seu nome impresso na sessão dos obituários do dia, correu para o espelho e certificou-se de que estava, de fato, vivo, haja vista que seria bastante improvável - a análise minuciosa das circunstâncias concordava com ele - que um defunto pudesse dar-se ao exercício de se dirigir ao espelho para certificar-se de estar morto (que o dirá vivo!), e de que, portanto, aquilo que publicavam não passava da mais pura e enfática mentira sedimentada sob patamares indiscutivelmente caluniosos o que acabara por injetar em Guilhermino Constâncio uma veia ruborizada de ira em sua testa que somente espocava em situações de extrema justificativa e na face daqueles que reuniam por direto jurídico estampar a indignação. Pensou em ligar para o jornal e pedir uma imediata retratação mas como ainda não havia batido aquelas primeiras horas da manhã que fazem tingir de luz os últimos arroubos silenciosos da madrugada, e concluindo com a exata parcimônia do raciocínio lógico que a redação do folhetim haveria de estar às moscas, coube à Guilhermino Constâncio, então, uma difícil decisão interna que culminou num ato de extrema hombridade que devolveria à ele a reputação perdida ainda que por quase insuspeitos instantes: debruçou-se no parapeito da varanda de seu apartamento e num átimo de segundo estufou o peito com aquela resoluta coragem só atribuída a quem usa o nariz para aspirar a justeza e, enfim, pulou para o vazio do nunca mais. No dia seguinte o mesmo jornal publicou em primeira página o passo a passo do suicídio, sem tirar nem pôr, e com a devida assepsia informativa dos acontecimentos pregressos até a culminação do ato fatídico. Algumas páginas adiante e lá estava, numa errata com letras diminutas e quase ilegíveis, as desculpas do redator pelo erro no obituário da edição da véspera. 

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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Por que será que é preciso morrer para dar atenção àquilo que quando vivo passávamos ao largo?
Será que é preciso deixar de existir para saber que 
De fato
Existíamos
E pouco disso
Sabíamos?

Será que a vida é isso
Um adiamento
Que quando deixa de ser
Virando esquecimento
Dela lembramos com saudoso
E irreversível
Lamento?


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Vou andando
E já quando ando já mudo o jeito de andar
Porque, afinal
Quem anda não sou eu somente
Mas também o chão
Que ao ser por mim andado
Me anda por inteiro
E completamente

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terça-feira, 18 de novembro de 2014

Falo de mim como se fosse outro que não eu
Eu próprio não interesso-me por quem sou
Não nutro identidades
Ou, se as crio
Prazer maior tenho em colocá-las em contradição 
O que sobra é somente uma fronteira sem substância
Isso sei que sou - nada!

Vazio
Flutuo olhando a mim
Que vejo
Não defendo verdades
Não havendo quem creia
Como então crer?

Tomo esse protótipo imperfeito de quem imagino ser
E divirto-me 
Nada
De fato
Sendo


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Se nos deram o bendito verbo
Por que mastigamos ele de um jeito que se mastiga um pedaço de pão? E como se o alfabeto fosse coisa de se digerir?
Entre facilitar as duas equações: a da gramática e a do estômago
A mim chega mais ao gosto matar a fome da carne
Enquanto reservo à dentadura uma inutilidade mais rica do que simplesmente a de se fazer comunicar no regime da farinha de trigo

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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Atravesso a esquina e já me canso
Mas não do tipo de cansaço que é irmão do tédio
Não! Minha esquina é coisa atribuladíssima e exige de mim arroubos de explorador de cordilheiras
Agora, e quanto ao tédio?
Pois tédio eu tenho de quem precisa atravessar o mundo
Para entender que é somente da esquina de nós
Que não podemos nunca - ainda que queiramos! -,
Sair

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