segunda-feira, 22 de abril de 2013
NÃO SOU O QUE DIGO...
Nem tudo o que digo eu vivi
Aliás, muito de mim eu invento
Que graça tem ser um fiel monumento
Aos acontecimentos atado?
Desse retrato as fotografias cuidam bem
Escrevo para olhar o inverso
E se combinar com o que penso de fato
Nem assim assino contrato
Antes me esquivo
Dizendo a verdade ou não
Aliás, que diferença faz para você
Que conhecer-me não vai?
A vantagem desse meu lado é o anonimato
Se quiser fazer de minhas palavras um rosto
Não será esse que carrego comigo
Ou será tantos que não poderia equilibrar só eu, dono de um pescoço só
Caso queira fidelidade,
Converse com uma pedra ou um jumento
Da minha instabilidade faço aumento
Tragédia ou não
É o que possuo como documento...
...
...
PLATEIA...
Plateia que uiva
Grunhe
Arranha gritinhos
Suspira baixinho
Plateia que ronca
Saracoteia
De tanto rir
Esperneia
Espreguiça na preguiça
Plateia que se coça
Mastiga paçoca
Confere e-mail
Baita recreio!
Plateia dessa vida
Que a tudo interessa -
Dos cílios postiços ao bafo de menta,
Exceto a peça!
Sobe a cortina e...
Não me atormenta!
Babemos na periferia da tragédia
Toda uma primeira fila a fazer média...
A plateia é o espetáculo
E os atores os reféns
Desse coro de corpulentos Joãos
Ninguens
Findo o ato
Pano ao chão
Aplausos a quem?
Aos tantos
Que do drama se esquivaram
Muito bem
Plateia que volta
Sem ter ido
Chegando a mesma que era
Onde antes houvera
Do seu mundinho
Saído
...
...
UM QUASE ALGO...
Lá adiante o espetáculo em curso
E no intervalo da sombra e da luz
Eis-me aqui, enxergando o ator que ainda não pisou o palco, na iminência de existir para o público que mal suspeita da sua figura
Que graça ver o ator no aquecimento da sua postura
Ainda ausente da mentira de sua máscara
Mas também outro que aquele vestido para a vida
Ele está no meio disso tudo
Esperando para ser quem não se é
Fingindo viver a vida que não tem
Um de carne e osso, outro de poeira que num sopro foge pelo vento
É e não é os dois, ao mesmo tempo
Na beirada de um precipício
Nem a salvo nem seguro
Lá está ele, meio ator meio personagem
Na distância de um único e incontornável passo...
Essa é a zona neutra da poesia
A zona por excelência da poesia!
Nem sombra nem luz
Somente uma faixa de penumbra
Híbrida por completo
Um quase alguma coisa
Que por ser quase esconde a potência do que está por vir...
Que maravilha de espetáculo esconde-se dos olhos do espectador
Só visível aos que esgueiram-se pelos esqueletos dos teatros...
...
...
AS COISAS QUE FICAM...
Manipulamos pedaços de coisas
Matérias que ficam, enquanto nós, que as manipulamos, passamos...
Não é assombroso pensar que essa caneta, essa que uso para escrever, permanecerá para além de mim, o único que a sua função dá sentido?
Construímos eternidades, objetos cuja integridade supera a nossa...
No fundo, somos curadores de milhares de museus íntimos
Colecionadores de trecos que ficarão para nos representar, ou dizer ao mundo que virá depois de nós que um dia a ele viemos
Cada qual o produto de um quebra-cabeças de cacos adquiridos ao longo dos anos
O que serei eu para as gerações que irão saber que um dia existi?
Um caderno de páginas rabiscadas?
Livros empoeirados?
Pedaços antigos de roupas usadas?
Tudo isso serei eu quando não mais eu puder ser...
Há uma arqueologia humana nas coisas
Elas que terão o encargo de nos garantir um pouco de memória
Descansando todos do tenebroso fardo de durar...
...
...
O ESPAÇO...
O espaço é um quadro de caráter preciso
A sua moldura é o que qualifica as coisas que leva dentro das suas fronteiras
Um elefante fora das savanas africanas, enlatado numa sala de aulas, é aberrante
Uma pulga longe da minúscula selva de pelos caninos deixa de ser pulga, morre na imensidão do exagero.
O mesmo se dá com o discurso
Há assuntos que servem a um terreno dilatado, de paredes distantes
Outros que preferem a intimidade de um cafofo.
Há palcos para diferentes atores
Palavras que se associam a específicos ecos
Mudar essa regra é tentar alterar eixos inalteráveis
Sobrevive quem sente o espaço, não procurando adequá-lo as suas necessidades,
Mas, ao contrário
Dobrando-se as suas obrigações...
...
...
UM DIA... E MAIS NADA!
E se uma vida fosse reunida num só dia?
Quanto mais intensa seria...
Uma existência assim, como a temos, é fardo tão lento...
Suprimamos as esperas!
Vinte e quatro horas e mais nada!
Nas primeiras, nasceríamos
Ao meio dia, já maduros
Avançando morrendo
Até o relento.
A lua mataria os já vivos
O sol daria boas vindas a outros tantos...
Que bom seria resumir tudo num só dia!
Estados inteiros inventados e soterrados ao cair da tarde
Poetas esgotando a imaginação no curso exato da rotação
Criminosos condenados a cumprir suas penas em grades de minutos - uma hora já seria quase uma prisão perpétua!
No intervalo de um 'oi' até o 'até mais'
Quanta coisa não se faz!
O problema é que temos muito
E do muito pouco fazemos
Arrastando o que temos até não ter mais...
Suprimamos as esperas
Um dia e pronto
É o que teríamos...
E foi dada a largada!
Tic
Tac
Tic
Tac
Tic
Tac
...
...
ANTES DE...
Quanto não se faz antes!
Quantas minúcias de infinitos acertos não ganham razão no esconderijo da expectativa por algo a acontecer!
Tudo na antessala das horas
Quando a cortina ainda não subiu...
Que espetáculo intenso se dá na iminência do espetáculo!
Invisível aos olhos
Às vezes mais espetacular que o próprio espetáculo!
Será isso uma perfeita metáfora do que é a vida?
Um eterno preparar-se para alguns poucos instantes de luz, quando o foco exige-nos um tempo escasso antes que a sombra volte a reinar?
É isso!
Trombamos cegos pelos becos, ávidos por sermos vistos, ouvidos, entendidos...
E dispensamos tanto suor nesse árduo exercício!...
Habitamos camarins
Circulamos por bastidores
Reeducamos as engrenagens invisíveis
Tudo para nublar a engenharia da mentira,
Para caber a nós a autoria da poesia...
...
...
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