terça-feira, 11 de junho de 2013

O MIRANTE DOS IDIOTAS...

Soprou um vento no mirante dos idiotas
Topetes voaram dos idiotas que miravam
Miravam o quê os idiotas do mirante?...

Riam
Ria-se muito
Amava-se também
Mas ver não viam
Os quê miravam no mirante...

Havia concorrência no mirante
Muitos para lá iam
E não só idiotas
Mas uma vez no mirante
Idiotas seriam...

Soprou um vento no mirante dos idiotas
O suficiente para ter festa
Um brinde ao vento que ventava!
E muito barulho por lá ecoava
E os idiotas dançavam no mirante
Mas o quê miravam os idiotas?
Coisa em nada importante...

Havia muito suor no mirante
Os idiotas de lá eram trabalhadores ferrenhos
Não que fossem idiotas antes disso
Esse que iam
Mas uma vez no mirante
Trabalhadores idiotas seriam...

Felizes
Eram muito felizes os idiotas do mirante
Qualquer coisa era motivo para um sorriso abrir
E disso faziam um comércio de alegrias
Vendiam tudo o que podiam
Não que fossem comerciantes antes disso
Esses que para o mirante iam
Mas uma vez lá
Idiotas comerciantes (e felizes) seriam...

Procriava-se também
Eram engenhosos procriadores os idiotas do mirante
A tudo viam motivo para multiplicar
Até a própria raça de idiotas davam um jeito de dobrar
E com isso se satisfaziam
Garantindo a sua memórias através dos outros que viriam
Não que fossem desse jeito antes disso
Esses que para o mirante iam
Mas uma vez lá
Ávidos procriadores (e idiotas) seriam...

Houve susto no mirante dos idiotas
Quando aos idiotas de lá o chão faltou
Um desabamento foi o que houve
Levando a baixo o mirante
E junto com ele
Os idiotas...

Ao longe a vida passava sem que se fosse notada
Pelos idiotas que agora mirante não tinham
Sequer idiotas havia
Para ver o que se via
Se houvesse um jeito de mirar um dia
O que o mirante ao primeiro olhar oferecia

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segunda-feira, 10 de junho de 2013

SAUDADES...

Às vezes dá uma saudades do tempo em que às vezes era sempre...
Hoje é coisa de nunca voltar ao que era
Indo pra frente de um jeito que a nada espera
Nem eu, nem você
Até o mundo, se comigo ficasse...
Quem dera.
Tudo avança
Ele, o mundo
Anda na pressa de quem tropeça
Ou não se interessa
Por guardar qualquer lembrança...
Agora é pra frente
Com pouca alguma
Ou quase nenhuma
Esperança...
Às vezes dá uma nostalgia de quem eu fui
Sendo quem mais não se pode ser
Jamais
Porque antes era possível ter argumentos com que fingir
Porque antes sorrir já era um lugar de existir
Coisa que os anos não carregam mais
Preferindo às lágrimas à esses recantos tais...
Crescer tem disso
Tornar-se sério
Ou ser exigido seriedade
Que saudade dos tempos em que se podia inventar um que eu não era
Só pra isso
Ralentar na espera
E parar radiante
Sem precisar ir
Nem um passo
Adiante...



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OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim do dedetizador de pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não...


O dedetizador de pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não, depois de anos dedetizando tudo quanto é residência, prédios de escritórios, agremiações e clubes municipais – públicos ou não, descobriu que - eureca! -, a despeito das milhares de vezes em que se envenenavam as pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não, todos eles, sem exceção, davam um jeito de voltar à labuta, coisa que se explicava pela enorme atração que tinham aos seres humanos que insistiam em habitar toda espécie de residências, prédios de escritórios, agremiações e clubes municipais – públicos ou não, chegando à simples - porém óbvia conclusão - de que o esforço para se eliminar as pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não, para ser algo de fato efetivo e duradouro, deveria, antes, considerar a extirpação de todos os seres humanos que insistiam em habitar toda a sorte de residências, prédios de escritórios, agremiações e clubes municipais – públicos ou não, e, uma vez livre dos seres humanos, praga nenhuma se arriscaria a perturbar a ordem seja lá de qual residência, prédios de escritórios, agremiações e clubes municipais – públicos ou não. Dito e feito. O dedetizador tratou de produzir uma droga especial cuja aplicação, logo na primeira oportunidade, deu a matar todos os ocupantes humanos da casa em questão, incluindo, obviamente, toda espécie de pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não, e, o mais importante: nunca mais, segundo podemos deduzir pela ausência de reclamações, houve qualquer ocorrência de perturbação por ordem biológica no local empesteado com o novo produto. O sucesso do novo dedetizador foi tamanho que em pouco tempo a cidade teve a sua população diminuída drasticamente, não só a das pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não, como também a dos habitantes humanos que, por certa dose de sorte ou mal azar, deram de morar ou frequentar toda a gama variada de residências, prédios de escritórios, agremiações e clubes municipais – públicos ou não, até o dia em que – curiosidade absurda, porém verdadeira -, só veio a sobrar vivo o tal do dedetizador de pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não, vitorioso na sua tarefa de acabar definitivamente com toda a espécie de elemento perturbador da higiene pública. Mas, triste fim teve o nosso dedetizador, pois, foi no instante mesmo de comemoração ao seu monumental feito que percebeu um minúsculo pernilongo a lhe rondar o antebraço direito, matando-o com um tabefe fulminante antes que o ferrão lhe outorgasse uma ferida coçante. Deprimido com a constatação, não houve quem o persuadisse a desistir do que viria a perpetrar em seguida (todos já estavam mortos há tempos, basta lembrar), consciência desgraçada que o levou até um quartinho escuro de alguma residência, prédio de escritório, agremiação ou clube municipal – público ou não, para lá, inocular a própria solução assassina que tanto havia comemorado em descobrir. Morreu. E, junto com ele, os últimos exemplares, ao que parece pelo menos, de toda a gama de pragas, roedores rasteiros e insetos em geral – peçonhentos ou não...

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Fazedores de Multidões...

Dos vários castigos que a intermitência de existir nos impõe
É esse o de se unir aos nossos pares que tento fugir como o diabo foge da cruz
E me parece ser essa tentação de constituir multidões o que nos afunda ainda mais, mas afunda só a nós, humanos que somos, almas nobres sustentadas por duas pernas pensantes...
Veja se um cão, ou qualquer animal que seja, agrilhoa-se por livre e espontânea vontade aos seus companheiros de espécie
No máximo juntam-se para depois se separar, nada competindo em importância ao fato de poderem desfrutar da sensação de liberdade que é estar só, entregues que estão às forças da natureza...
Porque é essa a questão: deliberamos nós muito a respeito da liberdade, concordamos com ela até, mas na hora de aplicá-la às nossas vidas, preferimos, sem admitir, é verdade, o conforto das prisões coletivas...
O que são nossas cidades de hoje senão verdadeiras penitenciárias, forçando-nos a engolir sua fumaça, a tropeçar na massa de transeuntes apressados, sempre intranquilos com uma tal frequência de ruídos e atribulações das mais variadas???...
E, ainda assim, louvamos o que somos, ou o que viramos - um conjunto sem rosto, plateia de um espetáculo grotesco: nossa própria covardia em resistir à liberdade de poder encarar a vida na sua dimensão mais simples...
Hoje em dia, o olhar silencioso de um cão me é mais inspirador que a totalidade das teorias humanitárias que adoramos revolver quando o assunto é: como viver melhor e com mais civilidade...
Há uma sabedoria infinita no silêncio dos animais, coisa que não suportamos justamente porque adoramos tagarelar, escrever, pensar - tal como faço eu agora...
Nossa capacidade de raciocinar sobre o que somos é o que nos arruína, porque com essa coisa escabrosa chamada consciência desejamos sempre melhorar, e é esse dado moral que nos torna - sem que saibamos -, assassinos, bandidos, e todo o resto dessa corja de conspiradores contra a liberdade de tão somente existir...
Ter um cão, hoje em dia, significa algo imperioso, talvez mais importante do que frequentar essa infinidade de academias, tão parecidas que são aos shoppings centers, onde se vende de tudo, principalmente os mais rápidos meios de como se tornar um presidiário estúpido...
Se pudesse reivindicar algo, reivindicaria isso: sejamos solitários ao extremo, cada um no seu universo particular e, de preferência, ao alcance das orelhas peludas de um belo de um cão...

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quarta-feira, 5 de junho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES #O fim do Fabricador de frases prontas e elogiosas

O Fabricador de frases prontas e elogiosas era extremamente requisitado para circunlóquios notórios, especialmente na ocasião da outorga do troféu Revelações-do-Ano, evento cujo discurso dos ganhadores já vinha não só pronto como também meticulosamente organizado de forma com que as lágrimas dos respectivos oradores pudessem ocupar um lugar especial durante a pronúncia embargada das frases prontas, e, embora todos os discursos dos ganhadores fossem prontos e iguais, isso só vinha a engrandecer o conluio comemorativo, afinal, se os discursos eram prontos e iguais, não menos prontos e iguais eram os ganhadores do troféu Revelações-do-Ano, prêmio em que se premiava os que conseguissem repetir exatamente o que os outros ganhadores do ano anterior fizeram, ou seja, nada demais ou de relevante o suficiente para se passar incólume aos louvores públicos desse que era o mais importante encontro de premiação às revelações do ano. Desta maneira e não de outra - porque uma vez que uma maneira é encontrada e se faz eficaz no seu intento não há porque perdê-la para se encontrar com outras maneiras alternativas lá adiante -, enfim, desta maneira e não de outra, temos que o Fabricador de frases prontas e elogiosas não só era extremamente requisitado na ocasião da outorga do troféu Revelações-do-Ano como também, sem a sua presença - invisível aos holofotes -, pouco se faria para que os ganhadores conseguissem falar algo de substancial, já que não só o repertório vocabular dos ganhadores era pífio, como, também, se resolvessem falar por suas próprias bocas bem possível seria que o troféu Revelações-do-Ano fosse substituído pela Comenda-da-Graça-Pronunciada, outro prêmio extremamente concorrido – e destinado aos piadistas que faziam graça com tudo o que por engraçado não se via -, mas que tinha saída dali a dois meses futuros, e, portanto, melhor seria requisitar os esforços dele, do Fabricador de frases prontas e elogiosas para resolver a questão, evitando-se por tabela qualquer rusga entre a junta premiadora desses dois troféus altamente desejados. Houve ocasião, porém, em que ele próprio, o Fabricador de frases prontas e elogiosas, teve que subir ao palco para, ele próprio, receber o famoso troféu Revelações-do-Ano, fato que se explica prontamente, já que, depois de tanto se repetir com frases prontas e repetidas, teve ele, também, o seu instante de glória e ovação, mas, por curioso que possa parecer, justo ele, o Fabricador de frases prontas e elogiosas, ao subir ao palco não conseguiu se lembrar de nenhuma sequência pronta e elogiosa que há tanto se dedicava em copiar para servir de plataforma de discurso aos seus vários clientes e ficou mudo, fato mais do que constrangedor que acabou levando-o a ser alvo de uma saraivada de frutas cítricas (justamente as de casca mais dura) vindas da plateia, indo assim, e tristemente, parar no hospital da cidade com um traumatismo craniano que, mais triste ainda, o levou a óbito, mas não sem antes o impedir de rabiscar à mão o seu raivoso testamento, que assim dizia: “........."

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Não conheço...

Sou adepto dessa espécie de emoção primitiva
Sou pré-socrático assumido
Nada de conhece-te a ti mesmo
Não, não me conheço, nem quero que me conheçam...
Sou dessa espécie em que o que toca é o verbo sensível
Nada de frases formuladas demais
Nada de elucubrações da alma
Nada de poemas lacrimosos...
Freud é uma aberração
Não tenho - e se tenho, não quero ter - interior algum
Ver já basta
O raso é o universo
Quem é profundo me cansa
Os mistérios aqui estão, ao alcance das mãos...
Toda tradução é uma deturpação do infinito de coisas
Que existem por existir... e essa, a existência palpável
É a maior das grandezas...


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OBITUÁRIOS EXEMPLARES #O fim do Escultor de Bustos de Bronze...

O Escultor de Bustos de Bronze, acostumado que estava a eternizar personalidades dignas de memória, morreu, não havendo um único Santos Dummont ou Pedro Álvares Cabral que lhe rogasse aplausos pelos anos dedicados ao metal fundido. Trágica condição a desse Escultor de Bustos de Bronze, já que, uma vez vivo, e sábio o suficiente por compreender que seria condenado ao ostracismo caso orientasse a sua vida à causa dos de carne e osso, não coube em tempo, ou, descobriu tarde demais – já na condição de defunto, que os monumentos são invariavelmente sádicos pelo lado oposto ao dos vivos, uma vez que, silenciosos, não servem para muita coisa a não ser virar ponto de referência aos dormitórios de mendigos, quando muito alvo dos vira-latas mijões, talvez uma vingança justa, já que, uma vez envernizados na condenação da eternidade, não passam de espectros vazios, e, se são feitos para durar, só duram porque nada mais significam, tal qual esse nosso escultor de bustos de bronze, que agora sumiu sem que houvéssemos sequer lembrança pelo seu nome, quiçá uma estátua de gesso que nos pudesse dizer: esse, um dia, existiu...