segunda-feira, 4 de março de 2013

(...)


O mundo não é tema, assunto de filosofia
O mundo é mundo, nada afeito à poesia
Tema sou eu, que do mundo não entro.
Um mundo dentro
Que não é mundo
Sou eu.

Uma paisagem é sempre uma paisagem
A beleza que dela emerge é para ser vista, sentida
Não descrita, ou lida
Um sol poente não compete com verso algum
Já eu, guardo um céu inteiro de rimas
Nas fronteiras daquilo que me anima.

O tema está antes na carência
No que não se é
No que não se vê
No que podia-se vir a ser
Mas não é
Jamais sendo.

O poeta é alguém de negativas
O positivo fica com a vida
Competir com ela é perder de muito

Fico com pouco
Fico comigo
Que para mim já é demais.

Há um abismo entre eu e o mundo.
O que não existe entre nós é o que vejo
A matéria da qual
Faço-me essencial



...

Escrevendo...



Estou sempre escrevendo
Pra ver se não perco
O que vendo já perdi
Faz tempo...




...

Das coisas que nunca fiz...



Dos livros que nunca li
Recomendo aquele um de lombada gorda e folha dourada
Ah, que aventura... Leia!
Pena que dela não saiba nada.

Dos lugares que nunca fui
Não deixe de ir aos virgens mares do Haiti,
Que maravilha de paisagens tem ali!
Se virgens são, não sei
Miragem? 
Sei lá...
Aliás, há praias no Haiti?

Vai saber...

Dos palanques que nunca subi
Quantas mensagens jamais proferi
Ativista de coisa alguma
Para orgulho de gente nenhuma

Se candidato fosse
Eleito seria
Voto amigo
Do meu umbigo

Laureado na auto-estima
Caminho no laço do fracasso
A vitória dos anônimos,
Última palavra em justiça!
Viver para os outros?
Ah, que preguiça!

Dos jantares que nunca frequentei
Mãos de lordes e ladies não apertei
Exemplo deixei
De herança invejável
Um que dos seguidores que não tive
Fiz turma invisível
Bando imprestável!

Do meu busto de bronze que não mandarei fazer
Insisto em dizer
Vão todos pastar!
Exemplos meus não vou dar...

Dos muitos que nunca fui
Esse é o que um dia vou ser
Um que não é para vos dizer
Virem-se!
Nessa terrível arte
Que é o viver...

...

Ator que tudo sente...


Ao ator que tudo sente,
Trocando a máscara por um alguém competente,
Digo: Justo! Mas por que não mente?
Não muito, um pouco e já seria suficiente
Cansado que estou de ver a mesma gente
Num lugar que já fora um dia
Terreno da mais absurda fantasia!
O real espelhado em você, tenho de dizer, veste o que há de mais banal.
Que interesse posso ter nas tuas lágrimas verdadeiras? 
O que há nas ruas já não é igual?
Então, ou é vaidoso ao extremo, ou eu, por minha vez, um idiota preguiçoso, que saio de casa só para ver quem por ser visto já conheço, fazendo da tua imagem o sentido maior do teu batente...

Ora, por que não mente? Só um pouco, para a minha alegria!
E não é esse ludibriar o sentido maior da poesia:
Um fugir da vida para reencontrá-la mais adiante, na outra esquina?
Então, por que tanta fidelidade à verdade?

Ao ator que tudo sente, digo:
Fuja do coração que lhe bate no peito,
E trate de trazer de volta contigo a farsa esquecida pela vida...
Um pouco que seja!
Ande logo com isso!
Dê um jeito!



...

Pelotão de dois...


Alto lá!
Não queira-me por seu aliado
Sou antes um condenado
Bajulador apaixonado
Das bandeiras sem emblemas
Dos hinos com poemas

Nunca alistei-me a nada - 
Bendita solidão!
Minto!
Um dia um Capitão lambeu-me a mão
E dele fiz-me soldado desde então
Capitão, um de rabo abanante e focinho alongado
Dois de nós no pelotão
A enfrentar os canteiros encantados
Nas ruas em campanha!

Dom Quixote e Sancho Pança
Eu no dom do xote
Ele a balançar a pança
No trote à quatro ele vai
Seguindo vou
Logo atrás...

Alto lá!
Não me peça parceria
Comprometido já venho
Por esse por quem tenho
Filiada simpatia.

Atenção, Capitão!
Marche!
1,2
1,2
1,2

...

Adeus, Rio...


Justo eu
Filho do cimento 
De amores indiscreto
Aos apelos do concreto

Justo eu
Rijo de movimentos
Certeiro no alvo do argumento
Eu que sou sempre reto
Nada secreto...

Justo eu
Esse quem sou
Com saudades do quem não fui
Já sou-me todo lamento...

Ah, Rio de Janeiro...
Adeus!
Despeço-me de tuas curvas
Mande lembrança ao sinuoso de teus dias
Recado deixei aos morros lá de cima
Olhai pelos debaixo
Para que deles não façam outros de mim
Caminhando assim
Sem a cadência da irreverência

Sê sábio
Oh parte afetada
Pelas setas da alvorada
Volte tão logo possível seja
Para que das dores veja
Um horizonte sem cinza nem prédios!

Oh, Rio de Janeiro!
Santo remédio...
De ti não aguento
De tuas curvas ciumento.

Adeus!
Até breve
Volto logo
Senão, já viu...

Entro em greve


...

...

De cima...


Aqui de cima
O mundo é um cardápio que me anima
Mas é só chegar no chão
Que tudo vira um desespero sem tempero...

Quero sentar à mesa no meio das nuvens
Meu jantar é para os pássaros 
Vocês que se virem com vossas marmitas no andar de baixo!

...