quarta-feira, 4 de março de 2015

Fábulas: # O escritor e os escritores


Era uma vez um escritor que, diferentemente dos escritores de seu tempo, sabia que era ele um escritor condenado a viver nos piores tempos imagináveis para que um escritor, como ele efetivamente o era, desse o azar de viver. Morreu. E muito tempo depois apareceu outro escritor que, convicto que estava de ser ele o mais azarado dos escritores, e entendendo, diferentemente dos escritores de seu tempo e dos tempos já passados ou futuros, que aqueles tempos que corriam agora eram, sem dúvida nenhuma, os piores possíveis para que um escritor, como ele efetivamente o era, praticasse a arte da escrita. Morreu. Outro escritor veio e, numa geração seguinte de escritores que enchiam laudas de papel impunemente, nutriu-se ele próprio dessa convicção que era, para sua desgraça e infortúnio, a sua triste maldição: ser ele o escritor que teria de lidar com a mais nefasta época que se poderia imaginar para que se viesse ao mundo e fizesse dele algum possível argumento de escrita. Morreu. E assim, por capricho do destino e sorte do acaso, a mesma história vem acontecendo repetidamente: vez ou outra o mundo dá a sorte de abrigar entre os seus aquela ovelha negra que, diferentemente das outras de lã alva e fofinha e que se empanturram de capim até embalofarem, mastiga com amargor o produto da abundância dos dias...

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