segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

BB-B(ergson).


Desisto! A despeito de todas as advertências anunciadoras da ética e da moral dos bons costumes, adversários dos dissabores de uma vida mergulhada na sodomia dos prazeres tidos como proibidos, eu entrego-me ao pecado de corpo e alma em uma rendição voluntária ao espetáculo voyerista chamado Big Brother Brasil. Ufa, sou culpado!

Culpado mas não degenerado (será?), explico.

O desfile de corpos nus misturado a tagarelice de pensamentos fúteis não são os principais atrativos ou novidades desse espetáculo da vida cotidiana, a dramaturgia da maioria dos programas de TV faz uso há tempos do mesmo disco riscado na ânsia por índices elevados no Ibope. Os enredos folhetinescos da nossa política também indicam que já estamos devidamente imunizados contra eventuais pornografias do corpo e da língua.

Onde está a graça da coisa então?

Repique da bateria. Ziriguidum!

O batuque que torna o BBB irresistível é aquele que usa um mesmo refrão já consagrado pelos passistas do jogo: "Não importa o que aconteça, vou ser quem eu sou!".

A letra assinada pelos participantes tenta de todas as formas fazer-nos crer da existência de consciências previamente trabalhadas que funcionariam como armas de batalha na conquista pelo prêmio. O que todos evocam ao entrarem em contato uns com os outros é um proveitoso período de estágio anterior responsável por estabelecer a seguinte máxima:

"Haja o que houver, continuarei a ser como sou, alguém que observa e concebe o que acontece pelos olhos da minha identidade, escudo inviolável e íntegro!"

A idéia de entidades concebedoras do mundo a partir de um "eu" central não faz mais do que reunir em um mesmo palco de dança um conjunto curioso de consciências diversas, cada qual convencida de que a sua estratégia é a que reproduz de forma fiel o que os olhos entendem por realidade.

(Pirandello compôs ótimos sambas enredo com esse tema!)

Tendo em vista que o período de preparo, esse tão divulgado vestibular do caráter, nunca é igual, o que temos a oportunidade de conferir é um saboroso bailado de personagens que insistem em ensinar uns aos outros os melhores passos de um gingado que nem a música de fundo já poderia autorizar.

A delícia está em constatar que o ritmo dos pés não é comandado senão pela cadência da música. Cada um não é mais do que um par de botas que reage de acordo com o balanço da melodia. Não são simples marionetes, é verdade, a dança permite a contribuição de novos passos, inclusive induzindo a uma mudança de ritmos, mas tudo isso a partir de um contato com a música que toca no instante presente e não por uma aplicação de partituras decoradas no passado.

Para Bergson o equívoco maior está em compreender o mundo como reflexo de consciências abastecidas por um espírito interior, separado do próprio mundo. Para o filósofo francês o homem não é mais do que um centro motor que funciona ao receber, processar e reagir aos movimentos que são percebidos pelo universo material. Nosso corpo é uma imagem privilegiada, sem dúvida, mas não deixa de ser imagem refletida no mundo que a originou.

Somos todos dançarinos e executantes de uma música apreendida fora de nós e reelaborada pela atualização no presente de passos marcados na memória interna, longe de uma posição de destaque em alguma arquibancada reservada a jurados capacitados.

A máscara, entidade demonizada pelos BBB’s como sendo o último golpe de violação à pureza do caráter, nada mais é do que a materialização simbólica da condição que não nos escapa: centros motores que percebem o mundo selecionando imagens e devolvendo a ele algo que é refletido daquilo que recebeu como estímulo – um processamento incessante e nunca inviolável de passos a serem escolhidos dentro do mundo e não distante dele.

Quem diria? Big Brother Bergson! Um programa imperdível!


Escrito por Francisco Carvalho, segunda-feira, 1º de fevereiro.

7 comentários:

  1. Ei, Carlos!
    Obrigado pelo elogio!
    Volte sempre que quiser, com novos comentários!

    abraço!

    Chico

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  2. um texto refinado
    e "levemente" crítico
    adorei!
    abração

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  3. Ficou bom, hein!Fiz minha inscrição no BBB2 , mas na época não fui escolhido "por afinidade"

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  4. Muito interessante, Chico!
    Mais interessante ainda é pensar que você tem que agir, justificar seu ato como nobre mas, NUNCA, deixar claro que você está fazendo isso, mas fazê-lo de forma sincera: ou então, o público te julga falso, manipulador e etc...
    É muito interessante na teoria. Se não fossem as picuinhas o dia INTEIRO no meu ouvido, talvez eu gostasse mais! hahaha

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  5. Muito interessante, Chico!
    Mais interessante ainda é pensar que você tem que agir, justificar seu ato como nobre, mas, NUNCA, deixar claro que você está fazendo isso. Fazê-lo de forma "sincera": ou então, o público te julga falso, manipulador e etc...
    É muito interessante na teoria. Se não fossem as picuinhas o dia INTEIRO no meu ouvido, talvez eu gostasse mais! hahaha

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