sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Valsa dos Porcos



A VALSA DOS PORCOS, peça radiofônica inspirada na obra de George Orwell, A Revolução dos Bichos.

PRÓLOGO – Uma voz quebra o silêncio. Não há efeitos sonoros, apenas e tão somente uma personagem que não tem nome, ou qualquer outra característica que lhe atribua caráter.

VOZ:
Caro colega ouvinte. Peço a sua licença para lhe contar como me tornei um imbecil. Se prestar um pouco de atenção verá que a minha história não difere muito da sua, o que me leva a concluir que tanto eu como você formamos, juntos, dois dos legítimos representantes da raça dos imbecis. Não sou seu colega e muito menos imbecil, você responderá. É bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também edificante, um verdadeiro conto moral, garanto. Eu era, assim como você, um daqueles que levantava a voz contra o poder. Refutar uma voz de comando não era difícil, confortável até certo ponto, e fazia render saborosos tapinhas nas costas. A proporção era simples: a medida em que a coragem crescia o fã-clube aumentava. Não, definitivamente não foi essa atitude que nos privou de adentrar para o rol dos imbecis. Assumir a figura do explorado, do pobre funcionário resignado pelo berro da injustiça, é o extremo oposto e o passo decisivo para alcançar o estado da imbecilidade plena. Não é preciso dizer que ambos, eu e você, demos as mãos também nesse quesito. É verdade que há aqueles que mal percebem tudo isso e que fazem questão, seja por qual razão for, de postarem-se bem debaixo dos impropérios dos arrogantes. Estes também são imbecis mas pelo menos não sabem que o são – sei que você há de concordar que a ignorância a respeito da própria imbecilidade é uma benção. Não é o nosso caso. Se você continua comigo até esse instante é porque ambos, eu e você, compartilhamos do grupo que carrega a consciência como um fardo. Sempre fui correto, exemplar até. Aluno de excelentes notas, desde cedo aprendi a cumprir da melhor forma possível o que me era solicitado. Os bons empregos no tão sonhado mercado de trabalho foram conseqüência, encher os bolsos de dinheiro uma questão de tempo. É verdade também que aquela centelha de bravura, típica dos espíritos juvenis e inconseqüentes, as vezes insistia em arder silenciosa no meu peito como uma advertência surda de que “aquilo não estava certo”. Rapidamente notei que bater de frente com os burocratas imbecis era o mesmo que assinar o meu diploma de perdedor. Como, nessa altura do campeonato, já não podia me dar ao luxo de encarar a vida como um artista que depois do fechar das cortinas não sabe se no dia seguinte haverá espetáculo, resolvi fazer uso da minha formação imbecil para tornar-me o quanto antes um verdadeiro imbecil de carteirinha. E eis que aqui estou, respirando o mesmo ar que você, enxergando as mesmas coisas que você, ouvindo as mesmas coisas que você. Como é gratificante repousar a cabeça no travesseiro com a consciência tranqüila de que os cadarços percorreram corretamente os furinhos do sapato. Que sapato é esse? Não me pergunte, eu apenas passo os cadarços pelos furinhos, essa é a minha função. Depois de um tempo com o carimbo oficial de imbecil estampado na testa notei que não havia vergonha ou mal algum em ser imbecil. Afinal, em alguma medida todos o são. Talvez você me compreenda melhor porque a sua imbecilidade é semelhante a minha mas, acredite, há tanta imbecilidade no mundo que ser imbecil já não é privilégio para poucos. Tornou-se comum, nada surpreendente. E aí é que está o perigo. Eu e você não somos desequilibrados. Desequilibrados sempre existiram e estão por toda a parte. Nossos subúrbios tranqüilos pululam de pastores, reitores e catedráticos dispostos a disseminar suas sandices para cinqüenta, duzentas, mil pessoas – depois esse mesmo Estado que se serviria deles sem pestanejar como forma de se auto suster os esmaga como mosquitos empapados de sangue. Esses homens doentes não são nada, e se deixam seus nomes marcados na história não é por mérito próprio. Nós somos os responsáveis, os amarradores de cadarços, pessoas comuns, pessoas ingênuas de caráter e imbecis por falta de opção. Homens imbecis como eu e como você, eis o verdadeiro perigo, funcionários silenciosos da indústria da mediocridade. Sem o nosso exército dos imbecis, esses loucos dissonantes não seriam mais do que fantoches desarticulados. O verdadeiro perigo para o homem sou eu, é você. E, se não está convencido, inútil prosseguir. Você não entenderia nada e se aborreceria, sem lucro nem para você nem para mim. Como a maioria, eu nunca pedi para me tornar um imbecil. Se pudesse, teria optado por algo sublime, algo que engrandecesse meu espírito, talvez a música. Sim! A música!*

4 comentários:

  1. Ai, Orwell... Um dia ainda crio vergonha nessa minha cara e leio direito...

    Olá novamente!
    Respondendo à sua resposta (que beleza de construção), eu aviso sim, vou estar sempre por aqui... Se bem que meus trabalhos de audio não têm essa qualidade nem de longe, tadinhos! Enfim, tomo a liberdade de te adicionar no msn, então, assim fica mais fácil, acho eu...

    Beijo, beijo...

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  2. Nossa, descobriu o podcast, agora não larga mais!!! rs...mas não larga mesmo, tá? Eu gosto. Vou fazer o mesmo comentário que fiz quando li esse texto pela primeira vez, se me recordo foi algo assim: me remeteu mais a "1984" do que "A Revolução dos Bichos". Mas adorei a continuação do Major. Os efeitos e as vozes ficaram muito muito bons!!! Só não sei se a proposta de fim era essa mesmo, era? Ah, eu tenho uma pergunta, a diferença de 'Peça radiofônica' pra 'Radionovela' é só a continuidade ou tem outra coisa? Nossa, dá até vontade de fazer uns tb, mas eu não tenho muita paciência pra isso não. Já fiz um programa de rádio quando fazia Jornalismo, ficou lindo, mas acho que minha carreira no rádio ficou por aí mesmo, rs.

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  3. Paty, esse trecho de áudio é apenas o princípio da "Valsa dos Porcos" - Peça que tem por volta de 40 minutos. Eu postei apenas o Prólogo e mais a primeira cena. O roteiro é meu (e algumas locuções de personagens tb), a produção é de Vitor Ioriatti, Valéria Cristina e Letícia Konishi - meus colegas de TCC na faculdade de RTV da Cásper Líbero. Radionovela refere-se mais ao gênero do melodrama - o que representou o início dos nossos folhetins televisivos (interpretações exageradas, tramas rocambolescas, herói x vilão... o que nós já conhecemos de Manoel Carlos e cia). Peça Radiofônica é um termo mais amplo e corresponde a conteúdos que tem no áudio - não necessariamente no texto falado - os ganchos para a construção dramaática. A rigor, tanto a radionovela quanto qualquer coisa gravada (áudio) em forma de dramaturgia correspondem a peças radiofônicas. Fui mais ou menos claro?

    Visite-me sempre que, a partir de agora, vou publicar mais gravações - estou preparando um novo blog com novidades bacanas... gosto sempre dos comentários, críticas e elogios! Obrigado pela sua participação! E, não desista do rádio! É muito mais sedutor que a imagem!

    Gabriela!
    Orwell é genial! Vale a pena ler tudo dele... quando ler alguma coisa me avisa que trocamos informações. Estou também curioso para ouvir seus trabalho em áudio... quando quiser, estarei a disposição para ouvir!

    bjos

    Chico

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  4. Ah, entendi então!
    Bom, eu já estou sempre por aqui, é só continuar postando.
    Sobre o rádio, é sim muito sedutor, mas vc fez uma faculdade pra aprender a fazer tudo que vc faz, né? Se bem que depois de ler alguns de seus posts não sei se foi a faculdade que ensinou o que vc sabe fazer.
    Só não desmerece tanto a imagem assim em frente a uma fotógrafa, por favor. rsrs.
    Volto no próximo capítulo, bjs!

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