sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Espelho, espelho meu, há alguém mais Suzana do que eu?


Suzana Vieira nunca esteve tão bem interpretando o papel de Suzana Vieira. Desde a propaganda do sabão Ipê – "Dúvida porquê [tchu ru ru], sabão é Ipê" – venho acompanhando de perto o desempenho da atriz, que a cada trabalho avança no desafio de interpretar a si própria. Em "Cinquentinha", Suzana aparece com admirável desenvoltura no papel de Suzana Vieira, uma atriz decadente com ares de Tchutchuca que não poupa a garganta para provar ao mundo o quanto é importante.

Depois de sair de uma temporada nas páginas de fofoca, incluindo uma escala no departamento de crises conjugais, parece que Suzana conseguiu amadurecer ainda mais a sua qualidade artística ao conferir veracidade impressionante a sua Suzana Vieira da minissérie de Aguinaldo Silva. Bravo Suzana! Não há ostracismo ficcional que a impeça de brilhar. Uma vez Suzana, sempre Suzana.

A bem da verdade, é preciso aplaudir de pé o exemplo de Suzana. Difícil nos dias de hoje encontrar no meio das celebridades alguém que se preste a tamanha entrega. Suzana não se poupa: abre a sua casa para as câmeras de TV, solta gritinhos nos programas da emissora a qual pertence, discorre sobre os mais variados assuntos, desde sexo até política, sempre terminando com o seu tema preferido: Suzana Vieira por Suzana Vieira. Tudo sem perder o rebolado que só a Suzana consegue ter.

Se você ainda não viu a Suzana na minissérie, corra! Ainda há tempo. Caso venha a perder essa breve oportunidade, não há motivos para grandes preocupações. Basta lembrar da Suzana que pisou não sei quantas vezes no estúdio do apresentador Faustão para receber o troféu de melhor Suzana da TV; ou então aquela Suzana que fez a retirante nordestina de nome Suzana numa novela igual aquela outra que veio antes dessa que está em cartaz; ou então, folheie as páginas de alguma revista de bastidores da fama que Suzana estará lá para lembrá-lo de Suzana.
Para os fãs de Suzana, boa notícia! Boatos ganham força de que Suzana já estaria em avançadas negociações para participar da nova produção do próximo folhetim do horário nobre. Suzana interpretaria Suzana, uma trambiqueira que se apaixona por José Mayer, um galanteador de cabelos grisalhos. A emissora ainda tenta convencer José Mayer a interpretar José Mayer, mas, pelo andar da carruagem, o ator deverá pedir uma trégua para desacansar a imagem, já que José Mayer ainda está interpretando José Mayer na atual novela das 8.
Depois de uma carreira consagrada, premiada por tantos papéis marcantes, será que Suzana ainda tem algum desafio a provar com o seu talento?
Uma abelhinha contou-me qual seria a apoteose dos desejos ainda não realizados de Suzana: o de interpretar irmãs gêmeas na telinha: Suzana e Suzana. De acordo com Suzana, esse é o maior desafio para o ator: interpretar ao mesmo tempo duas personagens radicalmente diferentes, uma com o caráter de Suzana, a outra com o temperamento de Suzana.
Alguém duvida? Quando o assunto é Suzana:
"Dúvida porquê [tchu ru ru], sabão é Ipê".

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O Abate de um Elefante - George Orwell





"Muitas vezes me pergunto se alguém percebeu que fiz o que fiz unicamente para evitar parecer um bobo."



Ouçam o áudio - gravação da crônica: "O Abate de um Elefante", de George Orwell - organização: Daniel Piza

O mistério com os dias contados.




Venham poetas, arautos do desconhecido,
comandantes da nau sem rumo,
navegadores de um mar escuro e irrequieto.


Venham poetas, com os seus bravos gritos nos advertir,
inglórios cidadãos, prostrados sob um arremedo de vida,
tristes cavaleiros das certezas iluminadas.


Venham poetas, inundar de dúvidas as astúcias antes proclamadas,
encobrir com o véu da imaginação as estátuas e os monumentos.

Venham poetas, brindar-nos com mistério e assombro.



Ouçam o áudio!
Gravação de uma crônica de Guy de Maupassant / tradução de Noemi Moritz Kon.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sobre gatos, homens e lobos





A razão da infelicidade humana, trauzida em forma de angústia, não está na ignorância, mas sim na total incapacidade dos humanos em ouvir o mundo, desejando dele tão somente aquilo que o instante não nos oferece. Mais do que qualquer manual de erudição, são os animais aqueles a quem devemos nos dedicar, observar e aprender.


Ouça o áudio! Gravação do texto de João Pereira Coutinho, na Folha de SP (Ilustrada) - Março de 2009:
Existem momentos em que fico horas a olhar para o meu gato. Com inveja, sempre com inveja. Só Deus sabe o que existe na cabeça de um felino. Mas acompanho as rotinas dele e sei, filosoficamente falando, que ele é feliz.

Nós, humanos, seres temporais por excelência, vivemos aprisionados à idéia do nosso próprio fim. E, como se não bastasse essa terrível condenação, somos também incapazes de habitar casa momento inteiramente. O presente, em nós, está sempre carregado de passado e de futuro: do que fomos, das memórias que temos, do caminho e das escolhas que fizemos; e daquilo que gostaríamos de ser, ou ter, ou fazer. O presente, para nós, não é um lugar para estar. É uma breve passagem a caminho de outra breve passagem. Sempre e sempre e sempre até a despedida final.

Por isso, aconselho: se quiserem entender a natureza da felicidade, comprem um gato. E acompanhem a forma como ele cumpre as suas rotinas com entrega contida e total. Ele não espera nada, ele não deseja nada. A felicidade, para ele, não existe por adição: de objetos, experiências, lugares. Mas por repetição: ele repete as experiências que são significativas. E, em cada repetição, existe a certeza da mesma felicidade.

Um gato ajuda a entender tudo isso. Mas um livro publicado recentemente reforça a ideia. Confesso: comprei o livro sem expectativas numa livraria do aeroporto de Heathrow, em Londres. Só o título despertou a curiosidade: “The Philosopher and the Wolf: Lessons from the Wild on Love, Death and Happiness” (o filósofo e o lobo: lições do selvagem sobre amor, morte e felicidade; Granta, 246 págs.). Não é manual de filosofia “ligeira”. Longe disso. O livro de Mark Rowlands é uma mistura erudita de experiência pessoal e reflexão metafísica, em que Nietzsche, Heidegger e Camus têm participação direta.

Ponto de partida: certo dia, o professor Rowlands leu anúncio no jornal. Alguém vendia lobos por U$500. Rowlands entrou na aventura. Horas depois, a casa estava destruída pelo novo hóspede, de nome Brenin, que não poupou a mobília e as cortinas.

Primeira lição: um lobo não é um cão. E, nos 11 anos seguintes e após treino apertado, Brenin foi a companhia do professor. Em casa. Na rua. Em viagem. E até nas aulas, para espanto de colegas e alunos: enquanto o professor dissertava sobre Platão e Aristóteles, o lobo dormitava ao seu lado. As aulas terminavam com um uivo. O livro de Rowlands é uma descrição pessoal de tudo isso: da relação idiossincrática de um homem com um lobo. Mas o livro de Rowlands oferece-se essencialmente como uma longa meditação sobre a natureza da felicidade humana. Ou, se preferirem, sobre a sua impossibilidade.

Impossibilidade? Precisamente. A modernidade ofereceu-se aos homens como projeto de construção secular. Por meio da Razão, seria possível conquistar a “sorte” que tanto afligia os gregos e realizar na Terra o que a cristandade medieval apenas prometia par ao Reino dos Céus. A felicidade seria uma construção individual e progressiva rumo a um fim determinado.

Paradoxalmente, essa idéia libertadora apenas trouxe o seu reverso: se a felicidade era responsabilidade nossa, a infelicidade também. E, adicionalmente, se a felicidade era convertida em projeto, ela seria igualmente convertida em insatisfação interminável: jamais estaremos onde queremos estar; jamais seremos o que queremos ser; jamais teremos o que queremos ter. A felicidade moderna converteu-se numa vigília permanente: a vigília de homens insatisfeitos; de homens esmagados pelos seus próprios ideais de felicidade e perfeição.

Viver com Brenin ensinou a Rowlands essa crucial diferença entre homens e animais: nós vivemos mergulhados no tempo e nas nossas próprias teologias pessoais. E a forma como desejamos sempre momentos que são posteriores ao momento presente impede-nos de viver qualquer momento de forma real e total. A infelicidade humana não nasce da nossa ignorância ou da nossa imperfeição. Muito menos da ignorância ou da imperfeição das nossas sociedades. A infelicidade humana é um produto da nossa específica temporalidade.

Resta uma questão final: serão os homens superiores aos animais? A resposta de Rowlands talvez seja a mais honesta: depende do que entendemos por “superioridade”.

Sim, um lobo jamais pintaria o teto da Capela Sistina. Mas será a Capela Sistina uma necessidade para um lobo? Ou, pelo contrário, será antes uma necessidade para nós? Uma forma de completarmos a parte que nos falta das várias partes que nos faltam?*


* João Pereira Coutinho – Ilustrada (Folha de SP) – terça feira, 31 de Março de 2009.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Valsa dos Porcos



A VALSA DOS PORCOS, peça radiofônica inspirada na obra de George Orwell, A Revolução dos Bichos.

PRÓLOGO – Uma voz quebra o silêncio. Não há efeitos sonoros, apenas e tão somente uma personagem que não tem nome, ou qualquer outra característica que lhe atribua caráter.

VOZ:
Caro colega ouvinte. Peço a sua licença para lhe contar como me tornei um imbecil. Se prestar um pouco de atenção verá que a minha história não difere muito da sua, o que me leva a concluir que tanto eu como você formamos, juntos, dois dos legítimos representantes da raça dos imbecis. Não sou seu colega e muito menos imbecil, você responderá. É bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também edificante, um verdadeiro conto moral, garanto. Eu era, assim como você, um daqueles que levantava a voz contra o poder. Refutar uma voz de comando não era difícil, confortável até certo ponto, e fazia render saborosos tapinhas nas costas. A proporção era simples: a medida em que a coragem crescia o fã-clube aumentava. Não, definitivamente não foi essa atitude que nos privou de adentrar para o rol dos imbecis. Assumir a figura do explorado, do pobre funcionário resignado pelo berro da injustiça, é o extremo oposto e o passo decisivo para alcançar o estado da imbecilidade plena. Não é preciso dizer que ambos, eu e você, demos as mãos também nesse quesito. É verdade que há aqueles que mal percebem tudo isso e que fazem questão, seja por qual razão for, de postarem-se bem debaixo dos impropérios dos arrogantes. Estes também são imbecis mas pelo menos não sabem que o são – sei que você há de concordar que a ignorância a respeito da própria imbecilidade é uma benção. Não é o nosso caso. Se você continua comigo até esse instante é porque ambos, eu e você, compartilhamos do grupo que carrega a consciência como um fardo. Sempre fui correto, exemplar até. Aluno de excelentes notas, desde cedo aprendi a cumprir da melhor forma possível o que me era solicitado. Os bons empregos no tão sonhado mercado de trabalho foram conseqüência, encher os bolsos de dinheiro uma questão de tempo. É verdade também que aquela centelha de bravura, típica dos espíritos juvenis e inconseqüentes, as vezes insistia em arder silenciosa no meu peito como uma advertência surda de que “aquilo não estava certo”. Rapidamente notei que bater de frente com os burocratas imbecis era o mesmo que assinar o meu diploma de perdedor. Como, nessa altura do campeonato, já não podia me dar ao luxo de encarar a vida como um artista que depois do fechar das cortinas não sabe se no dia seguinte haverá espetáculo, resolvi fazer uso da minha formação imbecil para tornar-me o quanto antes um verdadeiro imbecil de carteirinha. E eis que aqui estou, respirando o mesmo ar que você, enxergando as mesmas coisas que você, ouvindo as mesmas coisas que você. Como é gratificante repousar a cabeça no travesseiro com a consciência tranqüila de que os cadarços percorreram corretamente os furinhos do sapato. Que sapato é esse? Não me pergunte, eu apenas passo os cadarços pelos furinhos, essa é a minha função. Depois de um tempo com o carimbo oficial de imbecil estampado na testa notei que não havia vergonha ou mal algum em ser imbecil. Afinal, em alguma medida todos o são. Talvez você me compreenda melhor porque a sua imbecilidade é semelhante a minha mas, acredite, há tanta imbecilidade no mundo que ser imbecil já não é privilégio para poucos. Tornou-se comum, nada surpreendente. E aí é que está o perigo. Eu e você não somos desequilibrados. Desequilibrados sempre existiram e estão por toda a parte. Nossos subúrbios tranqüilos pululam de pastores, reitores e catedráticos dispostos a disseminar suas sandices para cinqüenta, duzentas, mil pessoas – depois esse mesmo Estado que se serviria deles sem pestanejar como forma de se auto suster os esmaga como mosquitos empapados de sangue. Esses homens doentes não são nada, e se deixam seus nomes marcados na história não é por mérito próprio. Nós somos os responsáveis, os amarradores de cadarços, pessoas comuns, pessoas ingênuas de caráter e imbecis por falta de opção. Homens imbecis como eu e como você, eis o verdadeiro perigo, funcionários silenciosos da indústria da mediocridade. Sem o nosso exército dos imbecis, esses loucos dissonantes não seriam mais do que fantoches desarticulados. O verdadeiro perigo para o homem sou eu, é você. E, se não está convencido, inútil prosseguir. Você não entenderia nada e se aborreceria, sem lucro nem para você nem para mim. Como a maioria, eu nunca pedi para me tornar um imbecil. Se pudesse, teria optado por algo sublime, algo que engrandecesse meu espírito, talvez a música. Sim! A música!*

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Peça radiofônica - "O Banquete"



... quando Maria Clara, pequena pupila da moralidade acadêmica, é pega com a salsicha na mão.

Ouçam o áudio!

"Diante da lei" - Kafka



Produção radiofônica a partir do conto "Diante da Lei", de Franz Kafka.