quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Plantão de Notícias: # O Tombo do Limpador de Janelas...

O limpador de janelas acaba de despencar do vigésimo sétimo andar do prédio de vidros espelhados da avenida principal depois de haver testemunhado pelo lado de fora da janela e pendurado em seu andaime sustentado por cordas de aço o executivo-chefe da empresa do prédio de vidros espelhados da avenida principal esganar com as duas mãos um homem que mais tarde provou-se ser o outro limpador de janelas que na véspera havia flagrado o mesmo executivo-chefe esganando um outro homem que até então não se sabe quem é e por quais motivos mereceu o destino que ambos os limpadores de janela do prédio de vidros espelhados da avenida principal couberam ter e cada qual em situações bastante similares excetuando o fato de que um deles, o último, encontrou no chão o passaporte que os outros dois homens ganharam das próprias mãos do executivo-chefe da empresa do prédio de vidros espelhados da avenida principal.


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domingo, 13 de setembro de 2015

Fábulas: # A honra revolucionária dos piolhos-pulguentos...



Era uma vez uma colônia de piolhos-pulguentos que viva num tranquilo lombo felpudo de um cachorrão igualmente tranquilo e felpudo por inteiro. Então, certa vez, um piolho-pulguento, cansado do mormaço interminável dos dias de marolas nada bravias, botou-se de pé nas suas pequenas e alquebradas patas serrilhadas de piolho-pulguento e disse aos outros companheiros de mamata: senhores! Façamos alguma coisa! Mordamos o bendito cachorro! E, acometidos pelo ânimo revolucionário do piolho-pulguento, todos os demais piolhos-pulguentos puseram-se imediatamente a abocanhar o lombo tranquilo e felpudo do cachorrão igualmente tranquilo e felpudo por inteiro. Numa primeira coçada, o cachorro deu conta de matar metade da colônia de piolhos-pulguentos, e, em meio as exéquias fúnebres que vieram na sequência, os piolhos-pulguentos sobreviventes evocaram a gloriosa lembrança daqueles outrora piolhos-pulguentos revolucionários, dispostos a dar a própria vida de piolho-pulguento para que outros piolhos-pulguentos pudessem, aquele dia, lembrar do quão corajosos a nobre raça dos piolhos-pulguentos podem dar conta de ser, caso queiram ser, evidentemente. E o exemplo deu tão certo que todas às vezes em que um cachorro tranquilo e felpudo abdica de sua canina tranquilidade para coçar o próprio lombo felpudo, não surpreendam-se!, trata-se de uma outrora tranquila colônia de piolhos-pulguentos em busca de alguma homenagem autocontemplativa...

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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Ator 
E quem suspeitaria
De que morrer todo dia
Como o ator que ao palco sobe
Suprimindo seu próprio nome
Para o bem de não sei quem
Seria vida que fica
Infinita
E deveras nobre?
E quem recusaria exasperar-se até seu último e derradeiro amém
Fingindo que finda
Se a oração bendita
É ladainha divertida
Sem profetas, fiéis ou evangelhos
Só liturgia
Riso frouxo que sobra
De quem ainda se enamora
Da alegria?
E assim acometido
Por cansaços sucessivos
Coroar-se servo sem amos e rei de tantos ninguéns
Que nascem, vivem e morrem
Na poeira soprada de todas as horas
Pó mágico dos sonhos de quem com o riso ainda ri
E com o pranto
Ainda
Chora
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domingo, 5 de julho de 2015

Fábulas # O Chamado do Telefone...

É sempre assim. Alguém, em algum lugar distante daqui, resolve fazer uma ligação para um outro alguém, que deveria estar por aqui para ouvir o telefone tocar e atender à chamada. Só que esse alguém para quem a ligação é feita nunca aparece. Então eu, que passo regularmente por aqui todos os dias, resolvo tirar o fone do gancho e dizer alô. É o que basta para que esse alguém do outro lado da linha comece a falar um monte de coisas imaginando que eu sou esse outro alguém a quem ele, sabe-se lá quem ele seja, decidiu, por qual razão misteriosa, dedicar algum tempo para digitar os números no aparelho telefônico na esperança de que do outro lado quem atendesse à chamada não fosse outro senão esse a quem eu, que ele mal faz ideia quem seja, finjo ser. É isso que eu faço. Invento que sou esse a quem esperam que eu seja. E como tudo é feito à distância e no completo anonimato, eu não me sinto nenhum pouco mal por isso. Aliás, não me sinto nada mal por isso. Para dizer a verdade, sinto-me plenamente vivo quando finjo ser esse outro alguém que tanto é requisitado por esse alguém que, de algum lugar distante daqui, resolve gastar seu tempo para digitar todos os dias alguns algarismos num aparelho telefônico na esperança de poder falar com esse alguém com quem ele tanto gostaria de falar, e que nunca aparece para atende-lo. Sim, eu me sinto bem agindo assim. É quase como uma boa ação: aliviar a expectativa de alguém que eu mal conheço, e que provavelmente nunca venha a conhecer.
- Alô?


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# Fábulas: O Sr. Moraes, o Assistente para Obviedades.

Este é o senhor Moraes, o Assistente para Obviedades. Depois de contratar os serviços do senhor Moraes a minha vida mudou, tornou-se mais leve, evitando que eu precise pensar naquilo que pensaríamos caso não tivéssemos outras coisas mais importantes para pensar. Porque é preciso separar as coisas importantes das coisas não tão importantes. E o senhor Moraes ajuda-me a pensar tudo o que é óbvio livrando-me a cabeça para que ela pense naquilo que vale, de fato, o esforço de pensar. É isso que o senhor Moraes faz, ele é o meu Assistente para Obviedades. Aliás, faz bastante tempo que não me ocorre nada importante para pensar, mas, mesmo assim, faço questão de não abrir mão dos serviços do senhor Moraes. O senhor Moraes me é altamente necessário nesses dias em que não há nada para se pensar a não ser em tudo o que é óbvio. É verdade que houve uma época em que eu era bastante solicitado para pensar coisas importantíssimas tais como: o que é a justiça, o amor, o destino da humanidade e até mesmo a razão de não haver razão alguma para estarmos aqui nesse exato instante em que estamos aqui e não sabermos o porquê de estarmos aqui, agora... nesse exato instante. Mas esse tempo passou. E é bom que tenha passado. Porque na atual circunstância, é preciso um tempo para poder descansar o pensamento. Não é muito bom conviver o tempo inteiro com questões que demandam de nós um alto esforço de pensamento. E é aí que o senhor Moraes entra com os seus prestimosos serviços, aliviando nossa consciência daquilo que teríamos de nos ocupar ainda que fosse óbvio ocupar-nos com alguma coisa óbvia. Eu gostaria de agradecer ao senhor Moraes. Gostaria de agradecer aos serviços do senhor Moraes. Obrigado então, senhor Moraes!

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segunda-feira, 8 de junho de 2015

Sou sempre eu...
Quando não sou eu
Sou eu dizendo:
Não sou eu!
Para todo o restante das ocasiões - não se preocupe! -,
Sou eu mesmo...


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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Fábulas: # O Salão de Chá e os Nobres Senhores de Fraques e Bigodes Pontudos...

Três nobres senhores de bigodes pontudos e trajando fraques sorviam cada qual em sua xícara uma infusão de chá de camomila no salão de chá aberto somente para ilustres senhores trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas... E foi quando o teto começou a baixar. O tilintar do lustre que fazia balançar as delicadas gotas de cristal penduradas em delicadas armações de metal banhado a ouro não deixava mentir: de fato o teto do salão de chá aberto somente para ilustres senhores trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas estava baixando. E baixava em ritmo constante, porém lento, sem interrupções outras senão os agudos tilintares das gotas de cristal do lustre que tremelicavam em uníssono, ora ou outra promovendo afinadíssimos choques sinfônicos que preenchiam o salão de chá aberto somente para ilustres senhores trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas com o mais alto si bemol inscrito na escala cunhada pela clave de sol. O primeiro nobre senhor deitou carinhosamente a sua xícara ainda fumegante da infusão de camomila no pires que erguia espalmado no ar com a mão contrária e conjecturou que o teto começara a baixar devido a algum misterioso evento que por razões também misteriosas ocorria no andar superior, teoria que não foi absolutamente refutada pelo segundo nobre senhor que viu-se obrigado a interromper a ação circular que promovia com a colherinha de prata mergulhada no líquido quente a fim de espalhar em iguais proporções o açúcar despejado e disse que misterioso ou não o evento no andar superior que provavelmente era a causa do teto principiar a ameaçar a tranquilidade daqueles que lá estavam somente para sorver uma inocente xícara de chá de camomila era fruto, isso sem a menor sombra de dúvidas, da mente assassina de alguns elementos interessados em eliminar a paz que reinava naquele pacífico salão de chá e que mal algum poderia oferecer ao mundo senão adocicá-lo com o aroma campestre da camomila verde, teoria que não foi totalmente contrariada pelo terceiro nobre senhor que, antes de ser esmagado pelo teto junto com seus colegas trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas, explanou a necessidade urgente de se buscar um acordo diplomático com aqueles que, no andar de cima, engendravam mecanismos misteriosos que faziam o teto baixar e promovendo, também, agudos tilintares das gotas de cristal do lustre que tremelicavam em uníssono.

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