domingo, 5 de julho de 2015

Fábulas # O Chamado do Telefone...

É sempre assim. Alguém, em algum lugar distante daqui, resolve fazer uma ligação para um outro alguém, que deveria estar por aqui para ouvir o telefone tocar e atender à chamada. Só que esse alguém para quem a ligação é feita nunca aparece. Então eu, que passo regularmente por aqui todos os dias, resolvo tirar o fone do gancho e dizer alô. É o que basta para que esse alguém do outro lado da linha comece a falar um monte de coisas imaginando que eu sou esse outro alguém a quem ele, sabe-se lá quem ele seja, decidiu, por qual razão misteriosa, dedicar algum tempo para digitar os números no aparelho telefônico na esperança de que do outro lado quem atendesse à chamada não fosse outro senão esse a quem eu, que ele mal faz ideia quem seja, finjo ser. É isso que eu faço. Invento que sou esse a quem esperam que eu seja. E como tudo é feito à distância e no completo anonimato, eu não me sinto nenhum pouco mal por isso. Aliás, não me sinto nada mal por isso. Para dizer a verdade, sinto-me plenamente vivo quando finjo ser esse outro alguém que tanto é requisitado por esse alguém que, de algum lugar distante daqui, resolve gastar seu tempo para digitar todos os dias alguns algarismos num aparelho telefônico na esperança de poder falar com esse alguém com quem ele tanto gostaria de falar, e que nunca aparece para atende-lo. Sim, eu me sinto bem agindo assim. É quase como uma boa ação: aliviar a expectativa de alguém que eu mal conheço, e que provavelmente nunca venha a conhecer.
- Alô?


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# Fábulas: O Sr. Moraes, o Assistente para Obviedades.

Este é o senhor Moraes, o Assistente para Obviedades. Depois de contratar os serviços do senhor Moraes a minha vida mudou, tornou-se mais leve, evitando que eu precise pensar naquilo que pensaríamos caso não tivéssemos outras coisas mais importantes para pensar. Porque é preciso separar as coisas importantes das coisas não tão importantes. E o senhor Moraes ajuda-me a pensar tudo o que é óbvio livrando-me a cabeça para que ela pense naquilo que vale, de fato, o esforço de pensar. É isso que o senhor Moraes faz, ele é o meu Assistente para Obviedades. Aliás, faz bastante tempo que não me ocorre nada importante para pensar, mas, mesmo assim, faço questão de não abrir mão dos serviços do senhor Moraes. O senhor Moraes me é altamente necessário nesses dias em que não há nada para se pensar a não ser em tudo o que é óbvio. É verdade que houve uma época em que eu era bastante solicitado para pensar coisas importantíssimas tais como: o que é a justiça, o amor, o destino da humanidade e até mesmo a razão de não haver razão alguma para estarmos aqui nesse exato instante em que estamos aqui e não sabermos o porquê de estarmos aqui, agora... nesse exato instante. Mas esse tempo passou. E é bom que tenha passado. Porque na atual circunstância, é preciso um tempo para poder descansar o pensamento. Não é muito bom conviver o tempo inteiro com questões que demandam de nós um alto esforço de pensamento. E é aí que o senhor Moraes entra com os seus prestimosos serviços, aliviando nossa consciência daquilo que teríamos de nos ocupar ainda que fosse óbvio ocupar-nos com alguma coisa óbvia. Eu gostaria de agradecer ao senhor Moraes. Gostaria de agradecer aos serviços do senhor Moraes. Obrigado então, senhor Moraes!

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segunda-feira, 8 de junho de 2015

Sou sempre eu...
Quando não sou eu
Sou eu dizendo:
Não sou eu!
Para todo o restante das ocasiões - não se preocupe! -,
Sou eu mesmo...


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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Fábulas: # O Salão de Chá e os Nobres Senhores de Fraques e Bigodes Pontudos...

Três nobres senhores de bigodes pontudos e trajando fraques sorviam cada qual em sua xícara uma infusão de chá de camomila no salão de chá aberto somente para ilustres senhores trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas... E foi quando o teto começou a baixar. O tilintar do lustre que fazia balançar as delicadas gotas de cristal penduradas em delicadas armações de metal banhado a ouro não deixava mentir: de fato o teto do salão de chá aberto somente para ilustres senhores trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas estava baixando. E baixava em ritmo constante, porém lento, sem interrupções outras senão os agudos tilintares das gotas de cristal do lustre que tremelicavam em uníssono, ora ou outra promovendo afinadíssimos choques sinfônicos que preenchiam o salão de chá aberto somente para ilustres senhores trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas com o mais alto si bemol inscrito na escala cunhada pela clave de sol. O primeiro nobre senhor deitou carinhosamente a sua xícara ainda fumegante da infusão de camomila no pires que erguia espalmado no ar com a mão contrária e conjecturou que o teto começara a baixar devido a algum misterioso evento que por razões também misteriosas ocorria no andar superior, teoria que não foi absolutamente refutada pelo segundo nobre senhor que viu-se obrigado a interromper a ação circular que promovia com a colherinha de prata mergulhada no líquido quente a fim de espalhar em iguais proporções o açúcar despejado e disse que misterioso ou não o evento no andar superior que provavelmente era a causa do teto principiar a ameaçar a tranquilidade daqueles que lá estavam somente para sorver uma inocente xícara de chá de camomila era fruto, isso sem a menor sombra de dúvidas, da mente assassina de alguns elementos interessados em eliminar a paz que reinava naquele pacífico salão de chá e que mal algum poderia oferecer ao mundo senão adocicá-lo com o aroma campestre da camomila verde, teoria que não foi totalmente contrariada pelo terceiro nobre senhor que, antes de ser esmagado pelo teto junto com seus colegas trajados com fraques e cujos bigodes haviam sido aparados nas extremidades formando pontiagudas pontas, explanou a necessidade urgente de se buscar um acordo diplomático com aqueles que, no andar de cima, engendravam mecanismos misteriosos que faziam o teto baixar e promovendo, também, agudos tilintares das gotas de cristal do lustre que tremelicavam em uníssono.

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segunda-feira, 18 de maio de 2015

Exagero quem sou
Porque não sei quem sou
Mas, se enxergo o exagero
Enxergo também o que não poderia
Jamais
Ser

Sou quem sei
Que não
Sou

A máscara 
Ao anular-me
Mostra-me a mim

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sexta-feira, 1 de maio de 2015

Comunicados Urgentes e Oficiais: # O Dia da Labuta...

Senhores! Venho por meio desta dar-vos a dizer que neste dia azeitado pela preguiça da labuta-comemorada, quando justamente não se labuta patavina nenhuma para poder comemorar o fato de não precisar labutar, inaugura-se, enfim, a sábia consciência de que é infinitamente mais proveitoso deitar o vosso grisalho bigode no vinagre do tédio a ter de, evidentemente, fazer dele o protótipo do que já é e mostra-se ser e por infindáveis alvoradas pregressas - seja devido ao impulso viciado do hábito adquirido, ou, então, por força da correnteza sádica da vida -, ou seja, enfim e portanto, um bigode-operário a serviço dessa indústria de bigodes-operários que não faz outra coisa senão embigodar de pelos encaracolados a existência a qual foi nos dada a patinar. Cônscio da presente ementa e nutrido do poder da lábia comunicativa {a qual não posso furtar-me o talento de adquirir}, venho por meio desta alertar-vos em carinhoso apelo humanitário: vão todos pastar! Ou melhor: pastai, senhores! Pastai enquanto é possível que pastem! E no lento ruminar do capim em vossas mandíbulas travadas por dentaduras encariadas, lembrai de que hoje é o dia de cofiar vossos grisalhos bigodes, senhores, e, permitam-me dizer, a cofiação, afinal, é verbo imperativo, o único que, de fato, valeria a pena conjugar hoje e sempre.
Grato.
A Direção.
*** Obs: O miserável que por desgraça da providência divina veio a este teatro de misérias destituído de um bigode (grisalho ou não grisalho) por debaixo da napa, que vá ele se virar nalguma loja de disfarces e o adquira em prestações que lhe caibam no vazio e esfomeado do bolso...


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Comunicados Urgentes e Oficiais: # Declaração de amor ao Cão...

Senhores! Venho por meio desta pedir-vos que tapeis vossas pestanas enxeridas e sedentas por bisbilhotar impressões alheias impressas nessa tábua dos mexeriqueiros virtuais porque desta vez farei eu uma declaração que interessa unicamente ao meu cachorro, uma vez que é ao meu cachorro - e tão somente ao meu querido cachorro - que desejo dirigir-me, e uma vez que eu sou livre para dirigir-me a quem minha petulância quiser se dirigir - a constituição legislativa mo permite! -, dirijo-me pois a essa belezura peluda e portadora de quatro patas almofadadas que, diferente de vós - tristes bípedes de patas duplas e peladas - não tem como prática viciada grudar o focinho nessa tela iluminada de bobagens aleatórias, e sim aproveitar o úmido cheirador para vasculhar o infinito invisível dos aromas que só as calçadas gramadas podem dar conta de oferecer, e somente aos cães, oferecidos por natureza ao exercício de cheirar e cheirar até não mais poder discernir o que é o cheirador daquilo que é cheirado. Enfim, senhores, cansei-me sobremaneira de vós, Sapiens Intelectus Petulantis, sempre a perguntar-me o porquê disso e o porquê daquilo, e, como não nasci para oráculo de Delfos, digo-vos sem ressalvas ou verrugas de constrangimento: vão todos pastar no pasto dos inquietos, e deixai-me, agora, e finalmente, abrir esse meu bondoso coração para, uma vez aberto, revelar meu amor que tanto reservo para essa doce criatura de rabo balouçador que tanto entende esse que por ora vos dirige a palavra mas que agora não dirige mais:
Meu querido cão, amo-te ao infinito das pulgas coçantes!
Grato.
A Direção.


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