sábado, 4 de fevereiro de 2012


O que transforma o homem na criatura mais tediosa (e fascista) do planeta é o seu eterno esforço em querer ser correto com seus companheiros de raça... Nesse sentido, um pernilongo é infinitamente mais nobre - bebe seu sangue sem perguntar se você é corinthiano ou palmeirense.

Não confio em ninguém que se proponha a sofrer espontaneamente por uma causa justa. Não acredito em sofrimento redentor - já desisti do crisma faz tempo - e acredito menos ainda na existência de algum princípio que possa levar alguém a se auto-infligir. Na verdade, toda causa defendida com suor e sangue me deixa um tanto desconfiado quanto a legitimidade daquilo que propõe. Todo esse lindo discurso de 'empresto meu corpo em nome dos direitos do povo' já foi tentado tempos atrás pelo homem que subiu na cruz, e, parece-me, o benemérito exemplo, antes de trazer paz e justiça aos sofredores, foi o estalo inicial para todo tipo de atrocidades. Quem desiste das ideias em favor da violência não merece crédito algum.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012


A ordem de obedecer ordens começa sempre com um nariz torcido como resposta - as crianças são infinitamente mais sábias que nós, adultos. Depois, a ordem de estar sempre às ordens vira um pretexto para dar sentido a um percurso - "só se chega lá se houver submissão às ordens". Depois de ordenado, chega o momento em que ser obediente às ordens vira um vício, a ponto do sujeito correr o risco de imobilidade caso as ordens não sejam cumpridas. O último estágio, o mais comum deles - comprovem vocês com seus próprios olhos - é aquele quando o obediente vibra de alegria por ser um obedecedor de ordens, mesmo não sabendo porque as ordens foram ordenadas. Não seria por essa razão que o mundo contemporâneo é composto na sua maioria por um exército de mortos vivos, todos caminhando para o mesmo lugar, em fila indiana e marchando, claro, em ordem?

Nas artes, as coisas funcionam mais ou menos assim: a regra só tem algum valor se houver espaço para subverte-la. Todo artista que se preste é um demolidor do seu próprio edifício, sendo as ruínas tão fundamentais quanto os alicerces da obra. Em tempos de higienização das ideias e de padronização dos desejos, o perigo maior é imaginar que uma linda mansão, protegida de qualquer rachadura, se transforme no símbolo do produto ideal a ser admirado - se por fora desperta aplausos, por dentro é tão vazia e triste quanto um cemitério numa noite silenciosa.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012



É por causa desse seu apreço desesperado por um baseadinho, querida Rita, que um monte de gente inocente desgraça a vida... talvez gente que não lhe seja importante, já que o que conta é extravasar essa energia maluca pra dizer ao mundo que o barato é ser livre e desimpedido. Infelizmente para a senhora, querida roqueira dos tempos da ditadura, nós vivemos em uma sociedade, lugar em que os nossos atos públicos devem responder na base da vigência das leis (chama-se democracia, quero lembra-la)... nada contra a sua fumaça da paz, contanto que ela seja fumegada no recanto do seu lar... e para completar, em matéria de agitação popular a favor da violência, aí sim a senhora deu um show... se fosse realmente representante da paz, imagino que preferiria estar tocando cítara em alguma aldeia Hippie ou rolando na areia de alguma praia nudista. E para os que acham que o meu discurso está reivindicando a volta da censura, antes de marcharem na Paulista contra a minha pessoa, basta lembra-los que existe uma diferença muito grande entre liberdade de expressão e desrespeito a ordem pública... que todos possam sempre dizer o que pensam e também sejam responsabilizados quando o seu discurso ultrapassa o campo das idéias e vira ato violento contra a liberdade coletiva.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012



Não espero lealdade de ninguém, não me encanto com aqueles que conseguem arrebanhar fiéis - um discípulo a mais, outro degrau que o mestre dá em direção a confirmação do seu plágio. Não estou a serviço de ideia nenhuma, ainda que seja a mais nobre delas - essa sempre será a mais perigosa, e a que se revelará a mais catastrófica. Não me acostumo com a publicidade de caráter, nem com o reconhecimento público. A única forma de continuar vivo é na fresta, com o rosto quase que totalmente banhado pela sombra. Me contento com apenas um faixo de luz, um buraco da fechadura que me permite testemunhar as entradas e saídas desse enorme teatro. Feliz daquele que reconhece o seu absurdo!

sábado, 28 de janeiro de 2012



A linguagem humana, construída à base de complexos sistemas, é a mais letal das armas por nós inventada, o motivo gerador de todos os equívocos já testemunhados. As guerras só existiram - e continuarão a existir - graças ao arsenal de vocábulos que possuímos, esses sim, verdadeiros assassinos em massa. Mas e o outro lado? Não há belezas, sentimentos positivos ou razão de orgulho na utilização das palavras? E os grandes poetas? Não nos fizeram ver o que há de mais nobre naquilo que somos e podemos fazer no mundo? A nobreza do sentimento humano só é possível quando confirmamos a impossibilidade da utilização das palavras para expressá-lo, o verdadeiro amor é sempre silencioso, a poesia de fato poderosa é aquela que transforma as letras em notas musicais, conquistando o leitor não pela tradução do seu significado, mas pelo prazer da sua melodia. Os grandes poetas só o foram porque souberam fazer uso das palavras para nos provar o quanto a sua utilização é falha. Todos os grandes carrascos da história se impuseram à base de discursos, tentando nos provar da sua relevância. A palavra só é passível de orgulho quando ela própria assina a sua sentença de morte.


Escrito por Francisco Carvalho, às 12:02. SP, 28.02.2012