quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Peça radiofônica - "O Banquete"
... quando Maria Clara, pequena pupila da moralidade acadêmica, é pega com a salsicha na mão.
Ouçam o áudio!
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
O BANQUETE.

Recostou-se no balcão da lanchonete depois de haver pagado com moedinhas a sua única refeição desde o café da manhã, o chefe não permitia mais de 30 minutos de almoço para os estagiários, preferia, então, aproveitar a deixa para mostrar serviço. Não aprovava em nada a conduta dos outros que lutavam desesperadamente para engolir uma coxinha no menor tempo possível.
O molho estava apimentado demais, curiosamente mais apimentado que nos dias anteriores... excessivamente quente, pelando... e apimentado.
Foi no segundo anterior ao primeiro mordiscar de seu suculento cachorro-quente que Maria Clara ouviu os primeiros uivos ao longe.
“Pu-taaa! Pu-taaa! Pu-taaa!”
A princípio não imaginou que o coro de lobos famintos fosse suplantar o seu feroz desejo de enfiar goela abaixo aquela salsicha besuntada pelo mais surpreendente molho apimentado.
Mas o verdadeiro tempero picante daquela noite estava ainda por vir.
Maria Clara, moça tímida e recatada, aluna dedicada do 1º ano do curso de sociologia, aproximou-se da murada do terceiro andar, ainda sob os movimentos maxilares da abocanhada inicial, a tempo de ver a multidão que se aglomerava no pátio central.
19:45. As aulas ainda não tinham começado quando, vestida para a guerra, Soraia chegou. No percurso até a sala de aulas resolveu passar em revista a matilha de quadrúpedes que a mirava, em especial na altura das coxas avantajadas. Seu arsenal era de botar inveja a qualquer exército inimigo:
Calibre de 20 anos, fuzil de um metro e setenta, com cartuchos loiríssimos esticados e granadas verdes. Conjunto brindado com um par de pernas nuas com pelinhos oxigenados à vista, escultura emoldurada em um salto 15. O veículo: um tanque moderníssimo da marca mini-saia rosa-choque.
Enquanto os lobos pingavam saliva, as maritacas empoleiravam-se nas amuradas, algumas arriscando vôos rasantes:
“Ela veio provocar”
“Ela andava rebolando”
“Deixou cair uma carteira de propósito, só para ter de se agachar”
“Aquilo não é roupa de vir à faculdade”
Maria Clara reconheceu Soraia, sua companheira de lotação, intimidade, se não completa, conquistada na única ocasião em que dividiram o mesmo banco do coletivo. Pretexto mais do que suficiente para Maria Clara tomar conhecimento de assuntos gerais, tais como: qual curso cursava, ano... e outros banais, como a preferência da garota por chicletes tutti-frutti.
Acuada no banheiro feminino, Soraia viu-se surpreendida por mais de 30 rabos de saia que tentavam a obrigar a vestir uma calça comprida, reação imediata ao desaforo estampado nas faces dos seus namorados ou pretendentes. Atitude mais do que natural, afinal, quem não se sentiria tentado a trocar um fusca 66 com a funilaria por fazer por uma Ferrari do ano?
O ciúme as alimentava de uma inveja indecente e inconfessa de estar no lugar de Soraia.
Enquanto a pólvora queimava, os aliados ganhavam terreno, avançando na frente oposta:
"Ela sempre anda assim, de um jeito ousado."
"Ela faz esse estilo mulherão mesmo."
"Ela é avantajada, sim, e daí?”
"É uma vergonha para a escola ter alunos assim. Parece que esses caras nunca viram uma mulher."
20:00hs. A faculdade inteira havia desistido da idéia de substituir o circo medieval pelas aulas de história, o mofo dos livros não podia competir com o teatro ao vivo – uma chance única de experimentar a bestialidade na sua forma mais concreta.
Por alguma razão, sabe-se lá qual seja, alguns professores – hábeis comandantes na artilharia motivacional, engrossaram coro com a matilha de lobos, o que acabou por abrir o apetite, inclusive dos seguranças e funcionários da instituição.
Agora todos babavam por Soraia.
“Pega ela! Vamos estuprar!”
Vendo que a guerra poderia descambar para a chanchada, o diretor agarrou o telefone e alcançou sem demoras a delegacia de polícia. Em menos de 15 minutos os PM’s – corajosos defensores da ordem e da moral – tratavam de enxugar a saliva dos famintos.
Soraia, até então protegida em um bunker batizado de “sala de aulas”, local propício ao enobrecimento do espírito, saiu escoltada pelas fardas dos soldados da paz. Quando Soraia passou, escoltada, na frente da sala dos professores, uma docente fez questão de sair. Com uma careta, perguntou: "É essa a fulana?".
Na catraca da escola, sempre sob a escolta policial, Soraia viu entre os que a agrediam uma menina com o celular na mão, fotografando a sua vergonha. Maria Clara, a mesma menina recatada que pegava diariamente o mesmo ônibus que Soraia, estufava o peito ao atacar:
“Putaaaaa!”
Na beirada da boca de Maria Clara, fronteira de união entre o lábio inferior e superior, podia-se ver uma mancha vermelho escura. O molho ainda úmido escorreu pelo rosto da garota até formar uma gota vacilante que teimava em decidir pelo queixo ou pelo chão. Quando finalmente atingiu o solo tornou-se uma lembrança, lembrança logo esquecida de uma refeição não consumada.... e apimentada.
Roteiro radiofônico escrito por Francisco Carvalho. Novembro, 2009.
O molho estava apimentado demais, curiosamente mais apimentado que nos dias anteriores... excessivamente quente, pelando... e apimentado.
Foi no segundo anterior ao primeiro mordiscar de seu suculento cachorro-quente que Maria Clara ouviu os primeiros uivos ao longe.
“Pu-taaa! Pu-taaa! Pu-taaa!”
A princípio não imaginou que o coro de lobos famintos fosse suplantar o seu feroz desejo de enfiar goela abaixo aquela salsicha besuntada pelo mais surpreendente molho apimentado.
Mas o verdadeiro tempero picante daquela noite estava ainda por vir.
Maria Clara, moça tímida e recatada, aluna dedicada do 1º ano do curso de sociologia, aproximou-se da murada do terceiro andar, ainda sob os movimentos maxilares da abocanhada inicial, a tempo de ver a multidão que se aglomerava no pátio central.
19:45. As aulas ainda não tinham começado quando, vestida para a guerra, Soraia chegou. No percurso até a sala de aulas resolveu passar em revista a matilha de quadrúpedes que a mirava, em especial na altura das coxas avantajadas. Seu arsenal era de botar inveja a qualquer exército inimigo:
Calibre de 20 anos, fuzil de um metro e setenta, com cartuchos loiríssimos esticados e granadas verdes. Conjunto brindado com um par de pernas nuas com pelinhos oxigenados à vista, escultura emoldurada em um salto 15. O veículo: um tanque moderníssimo da marca mini-saia rosa-choque.
Enquanto os lobos pingavam saliva, as maritacas empoleiravam-se nas amuradas, algumas arriscando vôos rasantes:
“Ela veio provocar”
“Ela andava rebolando”
“Deixou cair uma carteira de propósito, só para ter de se agachar”
“Aquilo não é roupa de vir à faculdade”
Maria Clara reconheceu Soraia, sua companheira de lotação, intimidade, se não completa, conquistada na única ocasião em que dividiram o mesmo banco do coletivo. Pretexto mais do que suficiente para Maria Clara tomar conhecimento de assuntos gerais, tais como: qual curso cursava, ano... e outros banais, como a preferência da garota por chicletes tutti-frutti.
Acuada no banheiro feminino, Soraia viu-se surpreendida por mais de 30 rabos de saia que tentavam a obrigar a vestir uma calça comprida, reação imediata ao desaforo estampado nas faces dos seus namorados ou pretendentes. Atitude mais do que natural, afinal, quem não se sentiria tentado a trocar um fusca 66 com a funilaria por fazer por uma Ferrari do ano?
O ciúme as alimentava de uma inveja indecente e inconfessa de estar no lugar de Soraia.
Enquanto a pólvora queimava, os aliados ganhavam terreno, avançando na frente oposta:
"Ela sempre anda assim, de um jeito ousado."
"Ela faz esse estilo mulherão mesmo."
"Ela é avantajada, sim, e daí?”
"É uma vergonha para a escola ter alunos assim. Parece que esses caras nunca viram uma mulher."
20:00hs. A faculdade inteira havia desistido da idéia de substituir o circo medieval pelas aulas de história, o mofo dos livros não podia competir com o teatro ao vivo – uma chance única de experimentar a bestialidade na sua forma mais concreta.
Por alguma razão, sabe-se lá qual seja, alguns professores – hábeis comandantes na artilharia motivacional, engrossaram coro com a matilha de lobos, o que acabou por abrir o apetite, inclusive dos seguranças e funcionários da instituição.
Agora todos babavam por Soraia.
“Pega ela! Vamos estuprar!”
Vendo que a guerra poderia descambar para a chanchada, o diretor agarrou o telefone e alcançou sem demoras a delegacia de polícia. Em menos de 15 minutos os PM’s – corajosos defensores da ordem e da moral – tratavam de enxugar a saliva dos famintos.
Soraia, até então protegida em um bunker batizado de “sala de aulas”, local propício ao enobrecimento do espírito, saiu escoltada pelas fardas dos soldados da paz. Quando Soraia passou, escoltada, na frente da sala dos professores, uma docente fez questão de sair. Com uma careta, perguntou: "É essa a fulana?".
Na catraca da escola, sempre sob a escolta policial, Soraia viu entre os que a agrediam uma menina com o celular na mão, fotografando a sua vergonha. Maria Clara, a mesma menina recatada que pegava diariamente o mesmo ônibus que Soraia, estufava o peito ao atacar:
“Putaaaaa!”
Na beirada da boca de Maria Clara, fronteira de união entre o lábio inferior e superior, podia-se ver uma mancha vermelho escura. O molho ainda úmido escorreu pelo rosto da garota até formar uma gota vacilante que teimava em decidir pelo queixo ou pelo chão. Quando finalmente atingiu o solo tornou-se uma lembrança, lembrança logo esquecida de uma refeição não consumada.... e apimentada.
Roteiro radiofônico escrito por Francisco Carvalho. Novembro, 2009.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Da arte de arrotar depois de haver empanturrado o bucho.

Ainda acometido por efeitos narcotizantes, recorro ao computador para tentar traduzir em palavras aquilo que para mim representou uma das experiências estéticas mais deslumbrantes que tive a oportunidade de vivenciar.
Convido humildemente os senhores, sóbrios leitores, a compartilhar desse meu processo de retorno à normalidade, estado que espero alcançar até o último ponto final.
Peço ainda perdão aqueles que, por alguma razão, desconfiarem da minha sinceridade nesse relato, se incorro em algum exagero naquilo que me proponho a tornar público, peço que relevem tal extravagância como sendo a evidência de minha dificuldade em filtrar as imagens das minhas impressões no papel. Vamos a elas.
Ligo a televisão numa manhã e antes que possa preparar o meu café, refeição que normalmente divido com os apresentadores de um programa de esportes, percebo que é o canal distraidamente acessado pelo controle remoto que prepara uma novidade para o meu apetite.
O programa é o “Hoje em Dia” da Rede Record, protótipo de revista de entretenimento e jornalismo. Impossível não esquecer o estômago quando uma torrente de gritinhos e soluços lacrimoniosos compete com as torradas e cereais. Comemorava-se o aniversário da senhorita Cris Flores, uma das apresentadoras da atração. Durante exatas duas horas, tempo em que consegui me manter em jejum – o programa deve ter perseverado por outras tantas refeições dia adentro, imagino - assisti em rede nacional a mais absoluta exposição vaidosa que jamais imaginei um dia poder compartilhar.
Em uma espécie de maratona de homenagens, que incluía desde charadas e adivinhações, até desafios dignos de tirar o fôlego – a pobrezinha da apresentadora chegou a ser coagida a atravessar uma passarela içada por um guindaste até as alturas -, todas as câmeras permaneciam atentas para entrar em ação ao menor registro dos traços fisionômicos da jovem comportada que, naquele instante, poderiam se desmanchar em lágrimas de gratidão. Coitadinha. Depois do bravo esforço de andar nas nuvens – atentem que para subir na vida é preciso sofrer – Cris Flores foi arrebatada pela notícia de que havia conquistado como recompensa, das mãos do seu diretor de programa, uma VIAGEM PARA A DISNEY COM O SEU FILHINHO PEQUERRUCHO!
Técnica:
ENTRAM OS VIOLINOS.
Câmera 1: Zás!
CLOSE NO ROSTINHO RECHONCHUDO DO FILHINHO SORRIDENTE DA CRIS FLORES.
Corte para:
Câmera 2: Zás!
AGORA CLOSE NA APRESENTADORA QUE SE DESMORONA EM SOLUÇOS DE GRATIDÃO:
Cris Flores: MEU FILHINHO NUNCA FOI PARA A DISNEYYYY.... SNIF, SNIF, SNIF.
A donzela Cris Flores desdobrava-se em agradecimentos aos seus companheiros de emissora, revelando a sua emocionante trajetória de vida – sofrida, é claro – até alcançar os louros da fama, isso tudo dentro de um programa que prima diariamente por afagar os egos das próprias celebridades que desfilam nos diversos horários da grade de programação da Rede Record – a quem aborrecer tal conduta basta mudar de canal ou ir reclamar com o bispo.
Tive a sensação, ao enxugar as lágrimas de Cris Flores, de vestir um jaleco branco e, com minhas mãos protegidas por luvas cirúrgicas, perscrutar cada cavidade da apresentadora com instrumentos afiados que meu código de moral impede especificar. O meu espanto com tamanha extensão vaidosa impedia-me de me sentir constrangido. Às vezes ria, confesso, com gargalhadas de um escárnio assustador.
Em meio ao apagar das velinhas pensei comigo mesmo: não seria eu também um artista vaidoso que privilegia a minha satisfação pessoal a despeito de qualquer responsabilidade social? Não seria eu mais um dengoso apresentador que espera ansioso pelo rasgar dos violinos a anunciar o quanto sou importante para o mundo? Também não quero eu prevalecer em rede nacional como mais um sofredor que ganhou a vida?
Qual é a responsabilidade de um artista? Parece-me que não é possível mais acreditar em uma inocência juvenil, aquela que nos absolve de uma conduta ativa frente ao tamanho marasmo em que a humanidade resolveu aportar. É preciso e necessário remar para a revolução. Inútil dizer que esse movimento de revolta não é aquele que encontra grandes novas soluções, engendradas em novos modelos salvadores – não é de ibope que precisamos, nem de novos apresentadores sedentos por novos filões de audiência. Basta um espelho capaz de refletir a nossa própria barriga estufada, prenhe de um arroto prestes a sair, depois de havermos empanturrado deliciosamente o bucho.
Escrito por Francisco Carvalho. Outubro, 2009.
Convido humildemente os senhores, sóbrios leitores, a compartilhar desse meu processo de retorno à normalidade, estado que espero alcançar até o último ponto final.
Peço ainda perdão aqueles que, por alguma razão, desconfiarem da minha sinceridade nesse relato, se incorro em algum exagero naquilo que me proponho a tornar público, peço que relevem tal extravagância como sendo a evidência de minha dificuldade em filtrar as imagens das minhas impressões no papel. Vamos a elas.
Ligo a televisão numa manhã e antes que possa preparar o meu café, refeição que normalmente divido com os apresentadores de um programa de esportes, percebo que é o canal distraidamente acessado pelo controle remoto que prepara uma novidade para o meu apetite.
O programa é o “Hoje em Dia” da Rede Record, protótipo de revista de entretenimento e jornalismo. Impossível não esquecer o estômago quando uma torrente de gritinhos e soluços lacrimoniosos compete com as torradas e cereais. Comemorava-se o aniversário da senhorita Cris Flores, uma das apresentadoras da atração. Durante exatas duas horas, tempo em que consegui me manter em jejum – o programa deve ter perseverado por outras tantas refeições dia adentro, imagino - assisti em rede nacional a mais absoluta exposição vaidosa que jamais imaginei um dia poder compartilhar.
Em uma espécie de maratona de homenagens, que incluía desde charadas e adivinhações, até desafios dignos de tirar o fôlego – a pobrezinha da apresentadora chegou a ser coagida a atravessar uma passarela içada por um guindaste até as alturas -, todas as câmeras permaneciam atentas para entrar em ação ao menor registro dos traços fisionômicos da jovem comportada que, naquele instante, poderiam se desmanchar em lágrimas de gratidão. Coitadinha. Depois do bravo esforço de andar nas nuvens – atentem que para subir na vida é preciso sofrer – Cris Flores foi arrebatada pela notícia de que havia conquistado como recompensa, das mãos do seu diretor de programa, uma VIAGEM PARA A DISNEY COM O SEU FILHINHO PEQUERRUCHO!
Técnica:
ENTRAM OS VIOLINOS.
Câmera 1: Zás!
CLOSE NO ROSTINHO RECHONCHUDO DO FILHINHO SORRIDENTE DA CRIS FLORES.
Corte para:
Câmera 2: Zás!
AGORA CLOSE NA APRESENTADORA QUE SE DESMORONA EM SOLUÇOS DE GRATIDÃO:
Cris Flores: MEU FILHINHO NUNCA FOI PARA A DISNEYYYY.... SNIF, SNIF, SNIF.
A donzela Cris Flores desdobrava-se em agradecimentos aos seus companheiros de emissora, revelando a sua emocionante trajetória de vida – sofrida, é claro – até alcançar os louros da fama, isso tudo dentro de um programa que prima diariamente por afagar os egos das próprias celebridades que desfilam nos diversos horários da grade de programação da Rede Record – a quem aborrecer tal conduta basta mudar de canal ou ir reclamar com o bispo.
Tive a sensação, ao enxugar as lágrimas de Cris Flores, de vestir um jaleco branco e, com minhas mãos protegidas por luvas cirúrgicas, perscrutar cada cavidade da apresentadora com instrumentos afiados que meu código de moral impede especificar. O meu espanto com tamanha extensão vaidosa impedia-me de me sentir constrangido. Às vezes ria, confesso, com gargalhadas de um escárnio assustador.
Em meio ao apagar das velinhas pensei comigo mesmo: não seria eu também um artista vaidoso que privilegia a minha satisfação pessoal a despeito de qualquer responsabilidade social? Não seria eu mais um dengoso apresentador que espera ansioso pelo rasgar dos violinos a anunciar o quanto sou importante para o mundo? Também não quero eu prevalecer em rede nacional como mais um sofredor que ganhou a vida?
Qual é a responsabilidade de um artista? Parece-me que não é possível mais acreditar em uma inocência juvenil, aquela que nos absolve de uma conduta ativa frente ao tamanho marasmo em que a humanidade resolveu aportar. É preciso e necessário remar para a revolução. Inútil dizer que esse movimento de revolta não é aquele que encontra grandes novas soluções, engendradas em novos modelos salvadores – não é de ibope que precisamos, nem de novos apresentadores sedentos por novos filões de audiência. Basta um espelho capaz de refletir a nossa própria barriga estufada, prenhe de um arroto prestes a sair, depois de havermos empanturrado deliciosamente o bucho.
Escrito por Francisco Carvalho. Outubro, 2009.
domingo, 20 de setembro de 2009
POR QUE?

A distância estreita que separa a vida da morte, o som inaudito de um silêncio que respira por um suspiro terminal, quantos são aqueles capazes de viver de braços dados com a terrível imagem da sua própria derrocada? Um passo em falso e o abismo se abre, corajosos equilibristas que das alturas olham para baixo, anjos tropicantes que gozam da desproporcionalidade de um mundo sem sentido.
Medalhas expostas no peito frondoso dos que preferem o chão às alturas. Basta tocar as nuvens para fazer retinir o ruído oco de meia dúzia de metais fundidos.
Corajosos equilibristas que buscam as nuvens, etéreas formações de compostos inapreensíveis.
Monumentos da arrogância triunfal transformam-se em palco do espetáculo que não cobra ingressos. Olhem para cima! A pequenez daquele que desafia a vida está alojada no mais íntimo recanto dos caminhadores terrestres.
Bendita sois vós, nuvens, que do silêncio celeste abençoa e nos preenche com a nossa mais profunda insignificância de cada dia.
E por que? Para que?
Não há "porquês", somente ação: um pé depois do outro, e lá embaixo o abismo. Caminho sem volta.
Escrito por Francisco Carvalho, à 1 da madrugada do dia 21 de setembro de 2009.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
MANIFESTO

Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que produz consensos, mas aquela que trabalha na contramão do aceitável.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que conforta, mas aquela que se impõe pela arrogância consciente, grito de protesto contra a voz uníssona dos elegantes mastigadores de uma vida temperada por teoremas e fórmulas degustáveis.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que fala esperando por uma resposta, mas aquela que pela força da sua articulação emudece qualquer possibilidade de entendimento.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que constrói caminhos, mas aquela que sem pedir permissão abala as estruturas apreendidas pela tradição da falsa moral, produzindo becos sem saídas.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que alimenta, mas aquela que pela carência de nutrientes esgota a saúde de quem a absorve, transformando a força de um organismo em uma massa precária de órgãos desarticulados.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que ilumina, mas aquela que acende chamas para produzir sombras e reivindicar o retorno a um saber inapreensível, terreno ainda distante das soluções ególatras dos doutores da academia.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que é ouvida em alturas melódicas que apaziguam as tormentas do espírito, mas aquela que fere os tímpanos dos afinados, transformando os timbres celestiais em berros agonizantes de um homem desamparado em um universo de forças aterradoras.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que termina com um ponto final, mas aquela que tem a coragem de permanecer incompleta, companheira de reticências desconhecidas
...
Escrito por Francisco Carvalho, terça feira – 15 de setembro de 2009, às 2:00hs da manhã.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que conforta, mas aquela que se impõe pela arrogância consciente, grito de protesto contra a voz uníssona dos elegantes mastigadores de uma vida temperada por teoremas e fórmulas degustáveis.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que fala esperando por uma resposta, mas aquela que pela força da sua articulação emudece qualquer possibilidade de entendimento.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que constrói caminhos, mas aquela que sem pedir permissão abala as estruturas apreendidas pela tradição da falsa moral, produzindo becos sem saídas.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que alimenta, mas aquela que pela carência de nutrientes esgota a saúde de quem a absorve, transformando a força de um organismo em uma massa precária de órgãos desarticulados.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que ilumina, mas aquela que acende chamas para produzir sombras e reivindicar o retorno a um saber inapreensível, terreno ainda distante das soluções ególatras dos doutores da academia.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que é ouvida em alturas melódicas que apaziguam as tormentas do espírito, mas aquela que fere os tímpanos dos afinados, transformando os timbres celestiais em berros agonizantes de um homem desamparado em um universo de forças aterradoras.
Meu instrumento de resistência é a palavra, não a que termina com um ponto final, mas aquela que tem a coragem de permanecer incompleta, companheira de reticências desconhecidas
...
Escrito por Francisco Carvalho, terça feira – 15 de setembro de 2009, às 2:00hs da manhã.
terça-feira, 9 de junho de 2009
COMUNICADO DA ANPD - AGÊNCIA NACIONAL DE PROTEÇÃO A DEMÊNCIA:

Senhores, em plena época em que o mundo morde os lábios por conta da gripe suína (A/H1N1), outra infecção de cunho ainda mais devastador infiltra sorrateira pelas membranas cerebrais de vítimas desatentas. O “modus operandi” da contaminação pelo novo vírus, batizado pela sigla “$$$$$$$”, ainda não pôde ser completamente desvendado, mas, o que se suspeita, é que haja um vetor de transmissão criptografado em forma de mensagem de computador, como a que se segue abaixo. Recomenda-se a imediata vacinação de todos os cidadãos. Para tanto, é necessário uma incursão a um Centro da Inteligência Humana mais próximo da sua casa. Depois de esterilizar a região da testa – local de proliferação da bactéria “medíocres ganâncius”, a injeção já poderá ser espetada sem maiores incômodos para o cidadão.
Vetor de contaminação – como age o novo vírus e o contra ataque dos anticorpos:
I)VÍTIMA DESPREVENIDA:
“Trala La La La.... ups”
II) O ATAQUE:
“Olá desculpe a invasão,
Meu nome é Tatiana Gonçalves, sou produtora de Casting da S Model Agency de São Paulo – SP.
Sou responsável pela seleção e treinamento dos novos modelos da agência.
Tomei a liberdade de enviar este e-mail para fazer um convite depois de verificar a sua foto no orkut.
Gostaria muito de poder falar com você sobre esta possibilidade.
Segue o site da empresa, meu contato e os vídeos do youtube.
Muito obrigado e mais uma vez desculpe a invasão.
aguardo seu retorno em breve!”
III) A TENTATIVA DE RESISTÊNCIA – Mamãe: “Filho, nunca fale com estranhos”:
“Ahãn”
IV) A MUTAÇÃO VIRAL E O NOVO ATAQUE:
“Desculpe a demora p responder... O modelo não é só aquela pessoa q desfila... Que tem q ser alta... Magérrima... q tem q ser novinha. Mesmo pq idade nos tempos de hoje é mto relativo, as pessoas se cuidam mais, e a idade acaba n aparecendo mesmo! Fora o tratamento que hoje existe nas fotos. Existem modelos passarelas, comerciais, tipos, etc. Hoje em dia há uma infinidade de produtos à venda, e para isso na maioria das vezes é necessário um modelo para ajudar na venda desse produto. Pode ser uma Gisele Bunchen, como um perfil do baixinho da cerveja kaiser. Modelos tem idades variadas de zero até... Perfis variados...Modelos hoje tem tatoo, usam aparelho sim! Às vezes, o modelo n tem altura, mas tem um rosto lindo, um sorriso cativante, corpo definido, um cabelo legal, mãos bonitas. Por isso que seria interessante vc acessar o site para ter uma idéia da nossa estrutura, o q vc acha? E tb o legal disso tudo é q essa área n vai atrapalhar na rotina de ninguém, vai apenas complementar. Vamos agendar uma entrevista sem compromisso p essa semana? Temos um horário amplo e trabalhamos de 2 a sábado. ABs. Ah, Vc fez o cadastro no site?”
IV) A VACINA AGINDO NO ORGANISMO:
“AIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII”
V) A PURGAÇÃO:
“Muito grato, Tatiana,
Mas o meu corpo, mente e espírito, sejam eles segmentados para valorizar as partes mais adequadas para vender o seu tal produto ("mãos lindas! Que pés atraentes! olhe que cabelo desgrenhado! Vejam que rapaz simpático! O esquisito também vende!") ou até mesmo o meu conjunto completo de manequim a la Paulo Zulu, infelizmente tudo isso não está na prateleira a serviço desse shopping center de varejo. Ops, agora vejo! Corpo, mente e espírito? Não precisa tanto talento, seria caro demais, só o corpo dá conta do recado - e olha que eu não uso aparelho nos dentes, mas se precisar eu ponho, tá? Ainda acredito que existem caminhos mais construtivos (e divertidos) do que se prestar a esse comércio de futilidades. Tenho total convicção de que a publicidade é uma das razões pela qual tudo é tão descartável - principalmente o cérebro pessoas - nos tempos atuais. Agenciar outras cabeças pensantes para se reunir a esse clube me parece o mais dos desgraçados ofícios que alguém poderia escolher. Desculpe a sinceridade, e bom serviço!
Francisco,
obs:
ah! Ainda não fiz minha inscrição no site!”
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