A máquina Golifius tinha acabado de chegar à cidade. Todos
os habitantes, dos mais humildes aos mais nobres, foram recepcioná-la. A
pequena banda de sopros da prefeitura ensaiou meses a fio para não fazer feio
no grande evento. As meninas, acompanhadas de seus pais, trajavam vestidos de
cetim de cores claras. Por cima das cabecinhas, um laço enorme de rendas. Os
ternos dos cavalheiros foram desentocados dos guarda-roupas. Gravatas e
cartolas davam a importância da ocasião. Até mesmo as senhoras, normalmente
recatadas e entregues as labutas do lar, saíram às ruas para ver a chegada da
máquina Golifius. Os meninos resolveram não participar, preferindo dar
continuidade à peleja no campinho de terra batida Já a comunidade canina estava
representada por dois vira-latas sem nome, que entre uma coçada e outra no
lombo sarnento, apontavam os focinhos na direção do espetáculo. À tarde de sol
imprimia ao desfile uma luz âmbar, tornando tudo ainda mais fantástico. O vento
entrava num compasso de adágio majestoso e fazia esvoaçar tudo o que tocava. A
cena tinha um aspecto curioso de filme antigo, desses que a gente volta à fita
para rever um cenário que sabemos não existir mais. À frente do grande equipamento
estava Radamés-Nhócoli, o grande e respeitado empresário da máquina Golifius.
Quando finalmente o cortejo estacionou na praça principal, Radamés-Nhócoli
subiu num pequeno palanque e começou o seu discurso. Falava bem, com uma voz
clara de quem não mente. Explicava todas as características e funcionamento da
sua obra, detalhando cada peça e o seu papel dentro do gigantesco mecanismo ao
qual fazia parte. Quando terminou, os espectadores já estavam convencidos da
importância magistral da máquina Golifius. Difícil recuar no tempo e imaginar
como seria a vida sem essa espetacular obra da engenharia científica. O público
ouvia calado, absorto em pensamentos sublimes. Até a coceira dos vira-latas deu
um trégua. Era a própria confiança que enchia o peito dos habitantes da pequena
cidade. Quem não gostaria de abandonar o árduo ofício na roça para trabalhar no
funcionamento da majestosa e espetacular máquina Golifius? Fora a fama que
certamente recairia no colo do funcionário contratado – a foto na primeira
página do jornal do dia seguinte estava certamente garantida -, havia a questão
de experimentar de uma vez por todas a sensação de pertencer ao mundo moderno.
Era de conhecimento geral que a máquina Golifius representava o que de mais
novo a indústria moderna poderia construir. Só uma rápida olhada nos seus
mecanismos expostos já era suficiente parar provar tal teoria. Curiosamente,
ninguém pensava ou falava no salário, embora soubessem, por alguma estranha
convicção, que o montante compensaria o suor da empreitada. A bem da verdade,
não era difícil encontrar quem se dispusesse a fazer tudo de graça, sem ganhar
nem um tostão. O mais importante era vestir o uniforme de empregado da máquina
Golifius, custe o que custasse. E então, chegou o grande momento! A tensão
estava no ar. Dali a instantes, saberíamos quem seria o contratado para o
emprego. Havia somente uma vaga para o trabalho, mas isso não minava as
esperanças dos presentes, só aumentava a ansiedade. Senhas foram distribuídas à
multidão. Um a um, cada um a seu tempo, foi chamado para uma entrevista
particular. Uma banca especializada iria dar curso á seleção dentro de uma
pequena tenda armada ao lado do coreto. Algumas pombas pousaram no teto da
armação e lá de cima soltavam aquele som gutural, típico da espécie. Empresários
dos mais variados setores formavam essa junta de técnicos altamente
especializados no recrutamento das qualidades necessárias para dar
funcionamento a uma máquina do porte da Golifius. Era preciso analisar cada
candidato e de forma bastante minuciosa. Número 45! O silêncio era quebrado por
um senhor barrigudo e de bigodes que davam a volta no quarteirão, provavelmente
um representante do alto escalão das empresas Golifius. O candidato, suando e
pálido como uma folha em branco, se dirigia a passos trôpegos até sumir pela
entrada do gabinete improvisado. Para os que lá fora permaneciam, esperando sua
vez de entrar, a única coisa que conseguiam ouvir quando forçavam a escuta era
a sinfonia das aves, que lá de cima se postavam como arautos da crise de Tebas.
Ao final do processo, depois de cumprir com todas as entrevistas, o resultado
foi divulgado. Fulano de Tal havia conseguido a vaga! Sua família quase
desmaiou de emoção ao ouvir o anúncio de seu nome. De fato, no dia seguinte,
Fulano de Tal estampava sua foto na primeira página do jornal. O restante dos
habitantes voltou a empunhar a enxada, instrumento nada sofisticado, mas
altamente eficiente na localidade da roça. Fulano de Tal ganhou seu uniforme e
sumiu da cidade, levando sua família. Muito tempo depois, soubemos que Fulano
de Tal tinha enriquecido muito. Prosperou como ninguém. Quando perguntavam seu
nome, dizia com orgulho: ‘Sou Fulano de Tal, empregado da máquina Golifius’.
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