Ele disse aquilo rápido, de repente, sem aviso prévio, assim
como um peteleco no meio da orelha. Ninguém está pronto para um peteleco na
orelha. Peteleco dói. Na orelha, então, dói ainda mais. Um peteleco pode
ofender mais que uma muqueca na orelha. Eu prefiro ser chamado dos piores nomes
a receber um peteleco na orelha. A dor moral não é nada comparada a dor de um
peteleco. Mas o que recebi naquele instante não foi um peteleco, foi na
velocidade de um peteleco, mas não um peteleco. Antes fosse um peteleco aquilo
que estava prestes a receber. Aquilo doeu, acertou bem no alvo do meu eu.
[Adoro enrolar o meu leitor no preâmbulo do texto só pra saber se ele gosta
realmente de mim. Se chegou até aqui, é porque gosta. Eu gosto de ser amado, se
não houver admiração por mim, nada feito. Se achou esse meu comentário
arrogante e prepotente, vá embora! Desista de mim. Se quiser continuar é porque
me ama. Adoro ser amado. Eu mereço!] Vamos ao que interessa! Cenário: dentro de
um carro. Situação: Volta para casa depois de ir ao teatro. Personagens: Eu e +
3, não citarei nomes para não elevar à fama os coadjuvantes do enredo, afinal,
eu sou o protagonista e o único com direito aos louros do estrelato. AÇÃO!
Estava no banco de trás do veículo e o sujeito ao lado do motorista me lança
aquilo que fazia tempo que não ouvia a meu respeito: 'o dia em que você
desbundar você decola, só falta você desbundar...' Sempre ouvi a mesma coisa,
desde os tempos da faculdade: 'desbunde, meu filho, só falta você desbundar'.
Será que a razão de eu me encontrar nesse limbo miserável é porque eu não
desbundei na minha juventude? E se eu tivesse desbundado aos 18 anos, hoje
estaria rico e famoso? Meu Deus! Eu deveria ter desbundado e não desbundei! O
tempo parou. Pausa dramática! Sentado no carro, virei uma esfinge egípcia de
ódio com a minha recusa injustificável em desbundar nos idos anos do passado
que não volta. Rapidamente passou um filme pela minha cabeça, desses que a
gente vê quando está prestes a empacotar – primeiro o túnel com a luz ao fundo,
depois o filminho-brega da sua triste vida em retrospectiva. Se no seu filminho
a trilha sonora estiver a cargo do Michel Teló, peça pra pular a projeção, você
vai direto pro inferno. Será que só o moribundo assiste a esse
filme-de-presunto, ou convidados aparecem na platéia pra rir também da sua
vergonha? Eu não quero convidado nenhum. A vida é minha. Só eu tenho direito de
chorar ao ver o dia em que vomitei na mesa porque minha mãe obrigou-me a comer
camarão. Camarão é um bicho-antenudo-do-mar, mais conhecido como
barata-salgada, que nem na hora da morte irei perdoar! Do mar para as penas. A
verdade é que desbundar tem a ver com soltar a franga. E eu não solto franga
nenhuma, não sou obrigado. Onde está no contrato que é preciso, em algum
momento da vida, soltar a franga? Não que eu não tenha uma franga presa sob os
meus domínios, todos tem uma franga, mas soltá-la ao Deus dará pra virar frango
de macumba na primeira encruzilhada... ah não! Franga minha eu preservo, dou de
comer, faço dormir no meu travesseiro, ensino os bons costumes. Franga minha
toma chá às 17hs, todos os dias. Minha franga é Chicken, porque eu sou inglês.
Até a rainha da Inglaterra tem uma frangona por debaixo daquele vestido de
realeza. Agora, pergunte pra mim quando foi que a rainha soltou sua Chicken-Queen
pra ciscar pelos jardins de Buckingham... perguntou? Respondo: nunca! Inglês
não sai por aí soltando a franga. Eu sou inglês. A cegonha me derrubou por
acaso quando passava pelo Brasil, depois de tomar um tabefe tropical provocado
pelo vilão El-Niño. Eu não tenho nada a ver com a Carmen Miranda. Não existe
nenhum cocar de bananas no meu guarda-roupas. No carnaval eu viro uma freira
carmelita. No meu guarda-roupas tem fraques, cartolas, bengalas e um cachimbo.
Sou inglês. Só solto a franga depois da troca da guarda real, e na intimidade
do meu toucador. Tem uma peça em cartaz que se chama ‘Macumba Antropófaga’. Não
vou ver. Nem amarrado saio de casa pra uma sessão de macumba antropófaga. Não
sou antropófago, com todo respeito aos modernistas. Sou antropô, se você quiser
ficar responsável pelo pófago, o problema é seu, vá fagocitar o que quiser, mas
longe de mim. Não rebolo e não faço macumba. Se macumba fosse coisa boa não se
chamaria má-cumba, seria boacumba. É isso! Em tempos de macumba, quem prende a
franga é rei! Sou o anti-desbundador assumido! Não desbundarei por nada nessa
vida! Enquanto isso, o meu talento decola...
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