Muito se especulou, mas nada de concreto foi registrado nos
anais do pequeno vilarejo de Vâmo-Aí a respeito do misterioso desaparecimento
de Guilhermino-Toca. O que se sabe ao certo é que o sumiço durou somente um
dia. Vinte e quatro horas de silêncio absoluto de um dos mais respeitáveis
filhos-de-Deus que a humanidade já tivera notícia. E sobre isso não há
documento na face da terra capaz de provar o contrário. De Bangladesh ao
Macapá, de Mossoró a Chernobil, não havia quem não gostasse de Guilhermino-Toca.
Se os motivos de tal evaporação sumária ainda permanecem escusos, claro como o
raio de sol era o conjunto das qualidades morais pertencentes a
Guilhermino-Toca. Embora nutrisse certo rancor a alguns poucos invejosos – um
pote de mel aberto sempre atrai vespas interesseiras -, nunca se soube de
alguém que formalmente desafiasse o rapaz para qualquer tipo de duelo que
fosse. Mesmo assim, sumiu! Escafedeu-se! Tomou banho com pó de pirilampo e...
PUF! O sinal de que algo estava errado acendeu logo cedo. Quando
Guilhermino-Toca não compareceu à padaria em que costumava tomar café da manhã
religiosamente no horário das seis horas, Dona Eustáquia-dos-Odores
imediatamente sentiu falta daquele ‘bom dia, cara colega!’ que só Guilhermino-Toca
ousava lhe presentear. Essa, aliás, era uma das mais benquistas benesses do
rapaz: não conseguia evitar ninguém. Ainda que amplamente divulgado, o poder
apocalíptico do bafo podre da senhora dos-Odores estava longe de representar
barreira intransponível à cortesia de Guilhermino-Toca, levando-o a arriscar
corajosamente a própria vida ao se colocar no alvo de mira de uma iminente
rajada de alho vaporizado da velha gorda. O que dizer então da decepção do cego
Vadislau-Aonde quando soube que o braço que o conduzia ao outro lado da rua não
era o de Guilhermino-Toca? Justo este pobre ceguinho cujo principal motivo de
ânimo na vida era ser guiado pelo nosso herói! Para não ser pego desprevenido e
correr o risco de perder a carona, Vadislau-Aonde calculava exatamente o tempo
de sair de casa em função do itinerário do nosso herói, que há muito havia
decorado, na sagrada esperança de alcançá-lo no instante preciso da travessia.
Mal sabia que tal esforço era desnecessário. Guilhermino-Toca era tão
prestativo e afeito aos serviços humanitários que era bem capaz dele próprio
alterar a sua rotina para esperar o pobre Vadislau-Aonde naquela famosa esquina,
oferecendo sem qualquer demonstração de suplício aquele bendito e idolatrado
braço direito. Triste mesmo foi presenciar o trote capenga da oitava seção de
maratonistas do clube de veraneio de Vâmo-Aí, cujo principal atleta era, claro,
Guilhermino-Toca. Ninguém no pequeno vilarejo tinha o físico tão privilegiado
quanto o de Guilhermino-Toca. Por onde quer que desfilasse o seu conjunto de
músculos torneados, homens e mulheres paravam o que estavam fazendo para
admirar com júbilo as proporções perfeitas daquele Adônis, ao mesmo tempo em
que apontavam o exemplo de saúde aos seus pequenos filhos e apadrinhados. Não
foram poucas as medalhas olímpicas que Guilhermino-Toca trouxe para serem
beijadas pelos seus orgulhosos conterrâneos. Houve até quem especulasse que a
seleção americana de atletismo estava interessada em investir caminhões de
dólares para levar Guilhermino-Toca à América. Lágrimas escorreram pelos olhos
dos habitantes de Vâmo-Aí quando em resposta Guilhermino-Toca cantou de cor e à
capela o hino do vilarejo, fazendo questão de colocar a mão direita no coração
ao mesmo tempo em que lançava um olhar redentor aos céus. Depois disso, não se
ouviu um único boato de que o nosso herói quisesse debandar para fora das
fronteiras do solo sagrado que o viu nascer. Após o episódio, um busto de
bronze de Guilhermino-Toca foi erguido ao lado do coreto da praça principal,
virando imediatamente ponto de peregrinação dos mais jovens aos mais velhos,
além do seu cocuruto metálico inaugurar um excelente posto de descanso
temporário para a população de pombas migratórias. A verdade é que Vâmo-Aí não
sabia para onde ir. Como um trem que perde a sua locomotiva, Guilhermino-Toca
com seu chá de sumiço deixava à deriva todo um contingente de milhares de
almas. É bem verdade que exageramos. Vâmo-Aí não chegava a somar trezentos
habitantes, e isso incluindo os vira-latas, que não aceitavam de forma alguma
ficar de fora do censo. Mas o eufemismo é plenamente justificável, pois a crise
gerada pelo nosso personagem ausente ganhava cada vez mais contornos
hiperbólicos. A população começava a se agitar. Alguma coisa deveria ser feita
antes que houvesse uma nova queda da Bastilha! O delegado tomou as rédeas. A
delegacia de polícia resolveu organizar uma frente de buscas atrás de
Guilhermino-Toca. Os jornais gostaram do exemplo e começaram a imprimir edições
extras em caráter de urgência, estampando a cara de Guilhermino-Toca na página
principal. Sob a foto lia-se: ‘O que terá acontecido a Guilhermino-Toca?’. As
recompensas eram altíssimas. Mas nada de Guilhermino-Toca. Enfim. E agora? Não
se desespere aí desse lado, caro leitor! A sua posição é muito mais confortável
que a minha! Como criador dessa invenção que nunca se deu em tempo e lugar
algum, começo também a querer sumir com a presente dificuldade de se encontrar
um fim a tudo isso. A fábula começa a ficar longa e é preciso encontrar, senão
Guilhermino-Toca, um desfecho no mínimo aceitável. E já que detenho esse miolo
criativo que dá substância a toda essa sopa de enlevos, faço uso desse poder
para retornar no tempo e encontrar Guilhermino-Toca bem debaixo do seu
cobertor, o único lugar que resolveram não vasculhar. No aconchego da sua
preguiça, entendeu que recompensa maior não há para aquele que resolve sumir
espontaneamente do altar coletivo. E lá ficou. Orgulhoso como nunca. Para nunca
mais sair. Fim! Ufa...
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