segunda-feira, 11 de junho de 2012

O que terá acontecido a Guilhermino-Toca?



Muito se especulou, mas nada de concreto foi registrado nos anais do pequeno vilarejo de Vâmo-Aí a respeito do misterioso desaparecimento de Guilhermino-Toca. O que se sabe ao certo é que o sumiço durou somente um dia. Vinte e quatro horas de silêncio absoluto de um dos mais respeitáveis filhos-de-Deus que a humanidade já tivera notícia. E sobre isso não há documento na face da terra capaz de provar o contrário. De Bangladesh ao Macapá, de Mossoró a Chernobil, não havia quem não gostasse de Guilhermino-Toca. Se os motivos de tal evaporação sumária ainda permanecem escusos, claro como o raio de sol era o conjunto das qualidades morais pertencentes a Guilhermino-Toca. Embora nutrisse certo rancor a alguns poucos invejosos – um pote de mel aberto sempre atrai vespas interesseiras -, nunca se soube de alguém que formalmente desafiasse o rapaz para qualquer tipo de duelo que fosse. Mesmo assim, sumiu! Escafedeu-se! Tomou banho com pó de pirilampo e... PUF! O sinal de que algo estava errado acendeu logo cedo. Quando Guilhermino-Toca não compareceu à padaria em que costumava tomar café da manhã religiosamente no horário das seis horas, Dona Eustáquia-dos-Odores imediatamente sentiu falta daquele ‘bom dia, cara colega!’ que só Guilhermino-Toca ousava lhe presentear. Essa, aliás, era uma das mais benquistas benesses do rapaz: não conseguia evitar ninguém. Ainda que amplamente divulgado, o poder apocalíptico do bafo podre da senhora dos-Odores estava longe de representar barreira intransponível à cortesia de Guilhermino-Toca, levando-o a arriscar corajosamente a própria vida ao se colocar no alvo de mira de uma iminente rajada de alho vaporizado da velha gorda. O que dizer então da decepção do cego Vadislau-Aonde quando soube que o braço que o conduzia ao outro lado da rua não era o de Guilhermino-Toca? Justo este pobre ceguinho cujo principal motivo de ânimo na vida era ser guiado pelo nosso herói! Para não ser pego desprevenido e correr o risco de perder a carona, Vadislau-Aonde calculava exatamente o tempo de sair de casa em função do itinerário do nosso herói, que há muito havia decorado, na sagrada esperança de alcançá-lo no instante preciso da travessia. Mal sabia que tal esforço era desnecessário. Guilhermino-Toca era tão prestativo e afeito aos serviços humanitários que era bem capaz dele próprio alterar a sua rotina para esperar o pobre Vadislau-Aonde naquela famosa esquina, oferecendo sem qualquer demonstração de suplício aquele bendito e idolatrado braço direito. Triste mesmo foi presenciar o trote capenga da oitava seção de maratonistas do clube de veraneio de Vâmo-Aí, cujo principal atleta era, claro, Guilhermino-Toca. Ninguém no pequeno vilarejo tinha o físico tão privilegiado quanto o de Guilhermino-Toca. Por onde quer que desfilasse o seu conjunto de músculos torneados, homens e mulheres paravam o que estavam fazendo para admirar com júbilo as proporções perfeitas daquele Adônis, ao mesmo tempo em que apontavam o exemplo de saúde aos seus pequenos filhos e apadrinhados. Não foram poucas as medalhas olímpicas que Guilhermino-Toca trouxe para serem beijadas pelos seus orgulhosos conterrâneos. Houve até quem especulasse que a seleção americana de atletismo estava interessada em investir caminhões de dólares para levar Guilhermino-Toca à América. Lágrimas escorreram pelos olhos dos habitantes de Vâmo-Aí quando em resposta Guilhermino-Toca cantou de cor e à capela o hino do vilarejo, fazendo questão de colocar a mão direita no coração ao mesmo tempo em que lançava um olhar redentor aos céus. Depois disso, não se ouviu um único boato de que o nosso herói quisesse debandar para fora das fronteiras do solo sagrado que o viu nascer. Após o episódio, um busto de bronze de Guilhermino-Toca foi erguido ao lado do coreto da praça principal, virando imediatamente ponto de peregrinação dos mais jovens aos mais velhos, além do seu cocuruto metálico inaugurar um excelente posto de descanso temporário para a população de pombas migratórias. A verdade é que Vâmo-Aí não sabia para onde ir. Como um trem que perde a sua locomotiva, Guilhermino-Toca com seu chá de sumiço deixava à deriva todo um contingente de milhares de almas. É bem verdade que exageramos. Vâmo-Aí não chegava a somar trezentos habitantes, e isso incluindo os vira-latas, que não aceitavam de forma alguma ficar de fora do censo. Mas o eufemismo é plenamente justificável, pois a crise gerada pelo nosso personagem ausente ganhava cada vez mais contornos hiperbólicos. A população começava a se agitar. Alguma coisa deveria ser feita antes que houvesse uma nova queda da Bastilha! O delegado tomou as rédeas. A delegacia de polícia resolveu organizar uma frente de buscas atrás de Guilhermino-Toca. Os jornais gostaram do exemplo e começaram a imprimir edições extras em caráter de urgência, estampando a cara de Guilhermino-Toca na página principal. Sob a foto lia-se: ‘O que terá acontecido a Guilhermino-Toca?’. As recompensas eram altíssimas. Mas nada de Guilhermino-Toca. Enfim. E agora? Não se desespere aí desse lado, caro leitor! A sua posição é muito mais confortável que a minha! Como criador dessa invenção que nunca se deu em tempo e lugar algum, começo também a querer sumir com a presente dificuldade de se encontrar um fim a tudo isso. A fábula começa a ficar longa e é preciso encontrar, senão Guilhermino-Toca, um desfecho no mínimo aceitável. E já que detenho esse miolo criativo que dá substância a toda essa sopa de enlevos, faço uso desse poder para retornar no tempo e encontrar Guilhermino-Toca bem debaixo do seu cobertor, o único lugar que resolveram não vasculhar. No aconchego da sua preguiça, entendeu que recompensa maior não há para aquele que resolve sumir espontaneamente do altar coletivo. E lá ficou. Orgulhoso como nunca. Para nunca mais sair. Fim! Ufa...

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