Segunda feira. Segunda feira é dia de homenagens. Começo a
semana sempre inspirado, com vontade de homenagear alguém ou alguma coisa.
Termino a semana com vontade de chacinar quase a totalidade do contingente
populacional desse planeta, incluindo os camarões. Camarões são
baratas-salgadas-do-mar. Não entendo como alguém pode almoçar camarões. Comer
camarões é o mesmo que enfileirar três personagens do Kafka num espetinho e
servir no churrasco do fim de semana. Croc! Croc! Croc! Se não engolir as
anteninhas não tem sobremesa! Sou bi-polar. Na segunda feira sou adorável. Na
sexta, abominante – acabei de cunhar o termo ‘abominante’ somente em caráter
gramatical de urgência para se evitar a rima inevitável com ‘adorável’ [obs:
meu herói preferido dos quadrinhos é o Capitão Márvel]. Na hecatombe semanal
provocada por mim, só os labradores sobrariam pra contar a história. Os
labradores são inocentes. Você não é inocente, caro leitor. Se acha que é
inocente é porque é o pior dos culpados. Pergunte a um labrador se ele se acha
inocente. Ele não vai responder. Se acusá-lo de crime, então, receberá no
máximo um lambidão em troca. É preciso muita grandeza moral para devolver um
lambidão quando se é acusado de algo. Os labradores não tem culpa de nada, são
praticamente madres-teresas-de-calcutá em forma de focinho e rabo. Alguém já
viu um labrador no banco dos réus? Pois então, em matéria de cachorrada somos
nós, humanos, os animais – e não foi que noutro dia sequestraram o Zeca, um
pobre de um cachorro manso que mal se deu conta de que estava sendo alvo de um
crime hediondo? Seqüestrar cães é um crime mais que hediondo. Hediondo é termo
para nós, humanos. Todo humano é hediondo. Os cães são peludos. Peludos e
inocentes. Os labradores são inocentes justamente porque não fazem a menor
ideia que o são. Só nós temos essa mania deplorável de nos absolver – ‘todos
são inocentes até que se prove o contrário’. Grande bobagem! É exatamente por
respeitar a essa regra que incorremos nas mais terríveis crueldades. Em nome da
inocência os inocentes derramam toneladas de sangue, sempre acusando suas
vítimas de serem os culpados. Sempre foi assim. Eu faria diferente. Todos
seriam culpados até que se prove o contrário. Como eu não acredito em inocentes
nessa nossa espécie de sapiens, a brincadeira serviria ao menos para nos manter
ocupados. Uma espécie de jogo do milhão para condenados. Se o vencedor não se
salva, ao menos fica rico. Foi dessa brincadeira que surgiu a Daslu, nosso
Carandiru-do-glamour [estou afiado nas rimas!] Chega de sentenças, senhores
membros do júri! Hora das homenagens. Vamos então as homenagens de hoje.
Segunda feira é sempre dia de homenagens! Que rufem os tambores! Pode parar de
rufar, já deu! A minha homenagem de hoje vai para o Rio. Não o rio Tietê.
Pinheiros também não. O Aricanduva eu não sei nem onde fica, embora tenha fortes
suspeitas de que o budum deste não foge a regra dos outros dois. Será que o rio
Aricanduva tem algo a ver com o bairro Aricanduva? Se tiver, pura coincidência.
O meu troféu de hoje não vai para nenhum rio fedorento, vai para o Rio de
Janeiro – se bem que da última vez em que lá estive a fragrância da cidade
passava longe dos aromas de Paris. Nunca fui a Paris, mas disseram-me que se há
alguma cidade nesse mundo fedorento que não fede, essa cidade é Paris. Coitada
de Veneza, um esgotão a céu aberto – sorte que as gôndolas salvam tudo. Não as
gôndolas de mercado, as que bóiam. Bote umas gôndolas navegando no Tietê que o
fedor vira charme. Já não disse antes que tudo nessa vida é uma questão de charme?
Mais importante que a inteligência, é o charme a locomotiva do sucesso. Ou vai
me dizer que você acha o Silvio Santos inteligente? Tire-lhe o laquê do
topete que o seu império desmorona, levando o Bozo e o Chaves junto. E você,
caro leitor, qual é o seu charme? Depois você responde, agora não dá! Vá fazer
o favor de interromper o raciocínio da senhora sua avó! Comigo é assim: pá pum!
Que entrem os trompetes! A homenagem de segunda feira vai para o: Rio de
Janeiro... não digo que nunca irei homenagear o Tietê ou o Pinheiros (O
Aricanduva não sei onde fica), mas se o fizer agora irei parecer uma capivara
nostálgica, dessas que com olhos marejados recordam seus ancestrais nadando de
braçadas por debaixo da ponte das Bandeiras. Hoje, coitadas das capivas, só dá
pra apostar corrida pulando de sofá em sofá e com um pregador no focinho. Já
reparou, caro leitor, que a capivara é um bicho que todos querem bem? Mesmo sem
nunca antes termos dado de comer a uma capivara ou sequer afagado o seu
cocuruto, consideramos a capivara um bicho do bem. Ainda que um rato-gordo, a
capivara nos gera um terno sentimento afetivo. E sabe por que? Justamente por
causa do tamanho. O tamanho a deixa aprazível aos olhos humanos. O tamanho a
absolve da nojeira de seu parente intruso, a ratazana, e a eleva ao status de
roedor admirável! E o que os dois, a ratazana e a capivara, tem de tão
diferente? Nada, excluindo a participação da capivara naquele famoso filme
‘Querida, aumentei o ratão’, ambos se solidarizam nas sequências genéticas que
carregam. Isso me leva a pensar que o equívoco, quando elevado a proporções
homéricas, vira imediatamente motivo de admiração. Quando o erro se torna
gigantesco ele se emenda, pode reparar. E isso acontece também com as figuras
humanas. O duro da vida é esse contingente de funcionários públicos,
verdadeiros camundongos que não fazem outra coisa senão correr para dentro de
suas tocas depois de beliscar um pedaço de queijo preso na ratoeira.
Funcionários públicos, em sua grande maioria, são burocratas pequenininhos que
contaminam a vida alheia com equívocos miseráveis. A podridão da máquina não
está nas suas grandes engrenagens, mas nos pequenos parafusos defeituosos que a
sustentam. Hitler era um doido, mais demente que o próprio era o contingente de
anônimos que o saudava quando o bigodinho escovado do chefe passava em revista.
Agora, veja o Cachoeira! Esse não! Um
pilantra brilhante! Quase um personagem de blockbuster americano! Antes todos
seguissem o exemplo desse cafajeste! O mundo seria muito melhor. O Cachoeira é
a capivara do crime. Eu prefiro me equivocar ao extremo a ter de carregar
pedacinhos de queijo para dentro da minha toca. O mundo de hoje exige a
presença dos grandes personagens equivocados, já que os heróis ficaram para
trás desde a aposentadoria da franquia do super-homem. Falando em herói, lembro
de belos exemplos. E belos exemplos exigem palmas. Não há homenagem sem palmas.
Mas agora já está tarde demais. Deixemos para amanhã o nosso Rio de Janeiro!
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