sábado, 2 de junho de 2012

Eu prefiro ser anão do que cego!


Eu prefiro ser anão do que cego. Essa é uma das minhas máximas irrevogáveis. Já pensei em fazer um adesivo com a tal frase e colar no meu carro. Sou sádico assumido. Qual é o problema? Não sou politicamente-correto e gosto de quem experimenta praticar um sadismo poético em doses homeopáticas. A homeopatia nesse caso é fundamental, senão você corre o risco de abandonar a poesia e reencarnar o alemão do bigodinho escovado. Eu sou poeta, não se preocupe, trabalho no campo do simbólico. O simbólico me salva. No simbólico tenho o direito (e o dever) de ser  sádico até a última gota do néctar vermelho que corre nas minhas veias - olha que bonita essa imagem: néctar das minhas veias! Eu sou um poeta! Sou um Poeta-do-sádico, mas ainda assim, poeta. Essa é a graça do homem inteligente, basta um empurrãozinho para abandonar a correção e vestir a capa do vilão grotesco, e se não fosse esse precário equilíbrio entre o que é luz e o que é trevas, não haveria inteligência possível. O principal ingrediente da inteligência é o sadismo. Eu sou inteligente (sorry!). A penumbra é o lugar do homem inteligente. O homem inteligente bota o nariz na luz para depois recolher-se na sombra. As antas são claras, translúcidas, de uma toupeirice cristalina, tomam sol direto no focinho sem vergonha alguma - no dia seguinte estão vermelhonas porque se esqueceram do protetor solar. Você nunca encontraria um homem inteligente rolando na areia da praia feito um bife à milanesa. Os inteligentes estão sempre debaixo do guarda-sol. Quem é realmente inteligente não recusa nunca o desequilíbrio, pode reparar! Já com as antas, na primeira oportunidade, fincam as patas no chão e criam raízes de fazer inveja a uma seringueira da Amazônia. Toda anta é boazinha. Desconfio dos bonzinhos. Os bonzinhos são quase sempre burros, previsíveis, mentirosos, perigosos e chatos. Aliás, tenho medo dos bonzinhos. Morro de pavor desses beatos que correm atrás de uma estátua religiosa do padroeiro-não-sei-das-quantas. Tenho a nítida sensação de que todos são seriais-killers fugitivos de uma penitenciária de segurança máxima à la Bangu 1. Padinho Ciço era da máfia, tenho certeza. Os sádicos assumidos não! Os sádicos assumidos são inofensivos. Todos somos sádicos, mas só os assumidos são inofensivos. Eu sou um sádico assumido, um poeta e um homem inteligente (sorry!). Você que me lê também é sádico, se não fosse sádico já teria parado de percorrer essa minha ladainha logo no título. Agora só resta se assumir. Saia desse armário do politicamente-correto e ganhe sua carta de alforria em nome do obscuro! Mas não precisa se afogar nesse seu pecado horroroso, caro leitor. Mais merecedores de castigo são os castos. Todo casto é um obsceno, já diria o mestre. É só olhar para a cara o papa que você vai me entender. Quando olho para a cara do papa eu dou graças à Deus por saber que o Cão me espera no inferno. Já imaginou passar a eternidade com o papa no céu? Eu prefiro mil vezes sair pra passear com o Cão pelas encruzilhadas do subsolo. Eu adoro cachorros, vou com eles até o purgatório se precisar... e se o Cão for realmente um cão, eu selo meu destino agora: vou pro inferno! Voltemos ao nosso assunto. Como já dizia, eu prefiro ser anão do que cego. Isso por uma razão muito simples: os cegos são mais inteligentes que todos nós, videntes. E isso me desperta um medo atroz. Mas essa é uma inteligência especial, sensitiva, diferente daquilo que forma o argumento intelectual. Quer ver a prova? Édipo só fura os olhos porque se torna sábio, porque descobre que não há mais nada por conhecer. Édipo vira espírito depois de cego, vaga pelos campos como um espectro que tudo sente, tudo vê e tudo sabe sem precisar fazer uso dos olhos. Tirésias, outro personagem da história, só é um oráculo porque não enxerga. É ele, antes de todos, quem pressente a tragédia do protagonista. E esse talento é ditado pela cegueira. Bote umas retinas saudáveis no pobre Tirésias que o velho instantaneamente perde todo o seu potencial dramático. Mas chega de poesia! A verdade é que num belo dia, ao passar numa rua dirigindo meu carro, flagrei uma fila de cegos sendo liderada por um outro, pasmem!, cego - um cego-líder. Quase bati o carro de desespero! Não pelos cegos, mas pela cena. Uma matilha de filósofos-espectrais andando numa calçada de SP! Mais tarde, no mesmo dia, contei pra alguém o que havia visto e a pessoa prontamente me recriminou com um: 'seu insensível! Por que não foi ajudar os coitadinhos?' Eu respondi rapidamente, ainda embevecido pelo terror catártico da cena recente: 'de jeito nenhum! Vai que os cegos resolvem me seguir?'. Eu tenho pavor de filósofos. Os cegos são filósofos! Tudo sabem, tudo conhecem. Eu prefiro ainda ser um homem inteligente que sabe que é burro, ainda preciso ler para conhecer, ver para crer. Essa é a diferença do burro para o inteligente: o burro nunca sabe que é burro, ao passo que todo inteligente tem total consciência da sua jumentice. Quanto ao anão... ah! Deixa pra lá! Obs: favor não ler esse depoimento para nenhum cego, eles já sabem o suficiente para não se incomodar com essa filosofia-de-botequim...

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