sexta-feira, 8 de junho de 2012

Nestor-Mola, o jogador de ioiô!



Nestor-Mola, o famoso jogador de ioiô, estava prestes a entrar no palco do Teatro Municipal para a tão esperada apresentação da noite. Seria uma única apresentação, com os números já descritos no programa. Nestor-Mola iria começar com uma sequência de rodopios e loopings para depois emendar no grosso do espetáculo, que consistia na execução de partituras acrobáticas que lembravam as coreografias dos aviões da esquadrilha da fumaça. Tudo não levaria mais do que uma hora. A razão da curta duração é plenamente justificável. Embora o show fosse aguardado por mais de uma década – Nestor-Mola é um artista extremamente requisitado, cumprindo hoje compromissos agendados há anos atrás -, a qualidade da exibição é de tal forma intensa que provoca o retesamento de todos os tendões da mão do atleta, reverberando espasmos musculares em todo o restante do seu corpo, da cabeça aos pés. Mas sobre isso ninguém comenta. Ou, se dizem algo, é sempre na surdina, para evitar constrangimentos. A verdade é que alguns elementos invejosos afirmam que a sensação do show é antes a esquisitice do personagem que as mirabolices executadas com a pequena esfera de madeira presa ao barbante. Curiosamente, estes mesmos invejosos são os que ocupam as primeiras filas da plateia, ansiosos para ver o contorcionismo dos gestos de Nestor-Mola, não prestando atenção alguma ao talento da sua arte. Enfim, seria uma hora de atividades intensas que prometia espantar a todos os presentes, invejosos ou não. Naquela semana a cidade parou para prestar reverência à chegada do grande astro do ioiô. Os programas de televisão dedicaram mesas redondas intermináveis com a participação de especialistas no tema. Médicos e fisiologistas de todo o país viajaram distâncias homéricas para debater os impactos dos movimentos de Nestor-Mola na estrutura óssea da mão direita – o membro esquerdo não sofria danos importantes que merecessem maior atenção -, bem como o papel decisivo dos tendões na execução das acrobacias mais complicadas. Slides, fotos e diversos raios-X foram mostrados em caráter de prova para justificar cada argumento, bem como demonstrar as deformações inevitáveis que um leigo sofreria caso quisesse imitar o virtuosismo do nosso artista em evidência. Até mesmo chegou-se a discutir a necessidade de deslocar uma ambulância para ficar de prontidão no dia do evento, caso Nestor-Mola necessitasse de massagens urgentes após o feito acrobático. Tal defesa gerou certa tensão por conta de alguns defensores do povo terem questionado o privilégio de Nestor-Mola obter a seu dispor um veículo médico, enquanto todo o resto da audiência ficaria desguarnecida. Os ânimos voltaram ao normal quando se resolveu instalar bases médicas nas redondezas do teatro. Quem desmaiasse ou tivesse qualquer outra indisposição ante a emoção da apresentação não teria com que se preocupar. Empresários também fizeram sua participação nas discussões ao problematizar a supervalorização do passe de alguns artistas de evidente importância menor em relação ao extraordinário poder de marketing do mestre do ioiô. Camisetas, bonés, botons e uma infinidade de souvenires foram estampados com a cara de Nestor-Mola, fazendo a felicidade de toda uma trupe de vendedores ambulantes que se acotovelavam nas cercanias do local do show. Os agentes sociais também marcaram presença nos debates preliminares. Diversos profissionais da educação pública discursaram sobre a importância de Nestor-Mola na comunidade, bem como a repercussão que tal iniciativa iria gerar para a formação das gerações vindouras. Uma campanha de inclusão dos menos favorecidos foi organizada na tentativa de levar pessoalmente Nestor-Mola às regiões mais carentes da cidade. Até o final do dia não se sabia se Nestor-Mola teria como aceitar a proposta, ainda que seus assessores dissessem que o artista tinha muito gosto em tomar parte em eventos que promovessem a inclusão, mostrando evidente sensibilidade às causas sociais. Alguns até ventilaram a hipótese de convidar Nestor-Mola a ingressar no órgão mundial de defesa das crianças órfãs do Azerbaijão. Mas a ideia não teve grande número de adeptos e acabou murchando. Faixas e cartazes foram espalhados pelos muros e esquinas, convidando a todos para o grande dia. Até mesmo os políticos fizeram um minuto de silêncio durante as sessões parlamentares para homenagear o evento que em breve tomaria lugar no Teatro Municipal. Quando Nestor-Mola subiu ao palco naquela noite, o burburinho que recheava o teatro com a mais variada gama de zum-zum-zuns foi imediatamente silenciado. A pose plástica do artista era de fazer qualquer um abrir a boca de espanto. Nestor-Mola se encaminhava ao centro do palco como um príncipe que fora promovido a rei e agora se dirigia ao trono para receber a coroa. Seu ioiô de pau-brasil reluzia ao reflexo dos holofotes. A cena era das mais impactantes. A dignidade moral desse artista era de tal magnitude que não havia como deixar de respeitá-lo. Há anos atrás, Nestor-Mola, num erro de distração, atingira o próprio olho esquerdo com o seu ioiô num de seus treinos diários. Desde então um olho de vidro fora colocado no lugar do natural. Também não era segredo que Nestor-Mola era surdo de ambos os ouvidos. Isso sem contar que mancava de uma das pernas em razão de uma má formação infantil. Como um maestro que prepara sua orquestra para o acorde inicial, Nestor-Mola então levantou seu ioiô e deu início ao espetáculo. Ao final, todos voltaram para casa com uma única certeza: a de terem sido testemunhas de um do maiores espetáculos da terra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário