quinta-feira, 5 de julho de 2012

Diário de um homem preso dentro d’uma garrafa lançada ao mar...



É isso, enfiei-me dentro d’uma garrafa e lancei-me ao mar, sujeito ao sabor das ondas, ao curso das marés, às intempéries variadas. Uma rolha preserva o pouco de ar que aqui dentro respiro, e impede que a ventania lá de fora traga para dentro a água salgada, afundando-me para sempre das vistas dos habitantes da terra e do ar. Girando nessa superfície lisa e cambaleante, olho para cima e vejo a imensidão do céu, abaixo de mim o fundo invisível do solo marinho, dois cenários opostos e de grandezas imensuráveis. Pertenço a esse lugar de intervalo dos infinitos, equilibro-me na beirada do abismo para que veja o quão ínfima é a minha capacidade de alterar aquilo que me rodeia. Um passo adiante e o mundo me engole, sem testamento que dê continuidade as minhas patéticas pretensões de permanência. Onde estou é impossível falar, o silêncio se faz absolutamente necessário para todo aquele que quiser seguir o meu exemplo e se atirar dentro de uma garrafa para os braços do oceano. O eco de uma única palavra pronunciada aqui dentro já seria suficiente para romper o meu tímpano, já muito castigado pela surdez barulhenta da superfície. Permaneço em silêncio para escutar a vibração vazia do movimento que me carrega para longe. Trago comigo um pedaço de papel, mas não espere que eu produza um documento com as poucas ideias que ainda me sobram, o motivo da minha escrita é estritamente pessoal e só me dou a esse direito para celebrar a impossibilidade de ser útil ao leitor que por ventura vier a compartilhar daquilo que vivi. Por isso que escolho enfiar-me numa garrafa, a ideia é não esperar por resgate, e se por acaso aportar na sua ilha, será apenas por uma breve ocasião, sem qualquer direito a visto de permanência. Logo voltarei ao oceano para nunca mais vê-lo. Meu destino é flutuar por esse horizonte azul, longe dos barcos e das cartas náuticas.  O que falta ao mundo é a impertinência dos náufragos anônimos, seres de alma corajosa que se atiram ao mar para fugir do conforto das ideias comuns.  Desisti de tudo, tornei-me um exilado. Emigrei para longe dos trecos contemporâneos, esvaziei meu coração dos mimos sentimentais dessa nossa época de neuróticos depressivos. É nesse lugar em que estou, totalmente liberto das demandas de qualquer partido político, feliz pelo direito de crer e duvidar de tudo ao mesmo tempo e a qualquer hora. Um Brás Cubas engarrafado. Morri para o mundo.

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