quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
No Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos...
No Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos todos os professores são cegos, o que é uma tremenda facilidade para todos – para os que desejam ingressar em tão renomada instituição, laureada com a indefectível medalha do governo do Quirguistão em reconhecimento aos serviços humanitários prestados à arte, bastando para tornar-se aluno uma demonstração pública na habilidade em se produzir barulho, e também para os mestres, liberados da cansativa e inútil tarefa de apurar as vistas para decidir quem está apto ou não para entrar no Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos.
Os surdos-mudos, alunos do Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, uma vez divorciados da linguagem do do-ré-mi-fá, investem em tudo quanto é batida de panela para a composição de suas sinfonias barulhentas, e já que o que os olhos não vêem o coração não sente, quem haveria de duvidar de tamanha sensibilidade melódica árduamente burilada por tão competente corpo docente?
O curso é muito puxado, dizem quem dele já experimentou, atravessando quatro anos numa jornada suada cujo destino repousa na certeza imperial de se humanizar o ser humano, há muito desumanizado pelas andanças desumanas as quais por vontade própria ou não tem incorrido nos últimos tempos – E a todos os brutos de espírito que discordam dessa generosíssima missão, o Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos adverte peremptóriamente em sua carta nunca publicada mas devidamente guardada na segurança da manga dos valores éticos e morais: 'Quem disse que os músicos, só por serem músicos, tem o dever de aprender música, abandonando as questões tão urgentes que desde os gregos faz patinar a unanimidade da humanidade, e entre ela, também os músicos e não músicos?'
CLAP! CLAP! CLAP!
E assim o tempo passa no Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, numa ladainha ética e moral altamente ensaiada em palestras amplificadas pela voz ensaiada dos professores, e nunca ouvida pelos ouvidos surdos dos alunos surdos-mudos do Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, que, ansiosos por fazer barulho, aguardam o momento triunfante de suas formações: o concerto final de formatura dos surdos-mudos do Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos, regido anualmente pelo reitor de tão renomada instituição, laureada com a indefectível medalha do governo do Afeganistão em reconhecimento aos serviços humanitários prestados à arte, um sujeito baixinho, quase anão, e acometido por dislexia compulsiva.
CLAP! CLAP! CLAP!
Depois do espetáculo todos voltam contentíssimos para casa, o público com a sensação de que graças ao Conservatório Municipal de Música para Surdos-Mudos a arte musical continua no seu contínuo movimento circular de retornar sempre ao mesmo lugar, enquanto os surdos-mudos formados, incapazes de ouvir elogios, caminham aos seus lares sem saber se o que produziram foi música ou simplesmente... barulho.
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