domingo, 16 de dezembro de 2012

Pupilas dilatadas, sempre!


Será que não existe por aí nenhum alquimista de beira de estrada, desses que vendem a lágrima da mãe como se fosse algum elixir anti-rugas no balcão dos programas vespertinos de fofoca, algum pobre diabo capaz de bolar um colírio dilatador de pupilas, mas não daqueles que cegam como os de exame oftalmológico, mas do tipo que amplia a visão ao agigantar o globo ocular de modo a fazê-lo pular para fora como uma jabuticaba de Itu? Porque a questão é justamente essa: temos todos olhos muito pequenininhos, minúsculos, e com eles nos portamos como ratinhos miúdos, iguais àqueles dos contos do Kafka, um bando de fuinhas que sai de casa cedinho para voltar de noite com o cubo de queijo prato caprichosamente fincado nos dentes. Se nossos olhos fossem maiores talvez fosse possível olhar mais longe, redimensionando em importância o nosso ínfimo repertório de idas e vindas dentro do labirinto que nos enfiaram a perambular. É preciso desenvolver a distância, dilatar as fronteiras do que se vê até os limites do horizonte, porque grande parte da burrice que nos acomete repousa na estreiteza do alcance da visão. Olhos maiores e menos cerrados poderiam nos alforriar de um sem número de misérias cotidianas. Mas não exageremos, afinal, sempre é possível render homenagens à anatomia de um belo de um mosquito, gastando tempo para conjecturar no seio de uma filosofia de asas curtas; mas o que é um pobre de um mosquito frente à potência magnânima de uma paisagem de horizontes infinitos? A paisagem dessa ordem é metafísica, transcendental, espiritual, impalpável e vaporosa, achatando-nos ao lugar mísero que merecemos estar: o de simples observadores da nossa impotência. Tudo isso empobrece o interesse pelo pequeno mosquito para investir reverência naquilo que é misterioso – e junto com tanta beleza estética, vem na carona do mistério o sabor maravilhoso pelo silêncio. Preste atenção às verdadeiras paisagens, todas elas são mudas, caladas, e se há algum som ele é tão ensurdecedor que tapa nossos tímpanos como se deles fossem exigidos um amortecimento completo. Ah, senhoras e senhores, como somos parecidos com os tais mosquitos, ávidos batedores de asas que não se detém em outro ofício a não ser o de zumbir por aí ao redor de tanta pequeneza desimportante! Outro dia estava eu a sair de um shopping center - tipo de arquitetura perfeitamente adequada ao divertimento de cupins apressados e barulhentos -, quando vejo uma velha gorda parada em cima de uma escada rolante enguiçada. A matrona indignava-se com a falha técnica da traquitana moderna, estando estacionada em cima do tal equipamento há não sei quanto tempo – já que peguei a cena no meio do que acreditava ser o ápice dramático – interpretando o que parecia ser um solo de ópera em homenagem à preguiça. E tudo por conta do quê? De um mísero equipamento sem utilidade? Ora essa... Adoraria saber o quanto custaria para aquela mulher calar a matraca e arrastar suas pelancas para fora daquela situação sem haver a necessidade de interromper a rotação da terra como estava até então a proceder. Não faz muito tempo que passei em frente a uma faculdade e testemunhei uma legião de estudantes revoltados a bradar gritos de ordem contra o novo reitor empossado por uma eleição suspeita. Um enorme bocejo brotou do meu semblante, aquela muvuca toda me soava tão pequenininha quando o balanço suave de um graveto cambaleante no alto de uma árvore: cai ou não cai? Qual é a diferença? Se cair ou não cair, as coisas continuarão as mesmas, o sol irá deitar no horizonte no mesmo bailado já conhecido, e a lua o substituirá no turno da noite como sempre o fez desde o tempo em que o homem arrastava sua companheira pelos longos cabelos até dentro da caverna. Sou um conformista? Talvez seja sim, mas o meu profundo tédio à mudança só é adequável a esse tipo de equação pragmática que acredita ferir o andamento das coisas ao resolver pendengas de pernas tão curtas. Anote aí: daqui há não sei quantos anos, quando eu e você já estivermos lanchando com os vermes, haverá uma nova greve e revolução estudantil exatamente igual a essa que eu presenciei, repetindo uma cena tão gasta quanto o desejo revolucionário de se encontrar um melhor governo para a miséria humana. Eu prefiro sair por aí entoando ao céu a dúvida gigantesca de Hamlet: ser ou não ser? Eis a questão! Olhares amplos, senhores! É preciso frequentar os mistérios e, por conta deles, conviver na dor de não receber resposta alguma, variando constantemente as perguntas para aumentar, quem sabe, o repertório de interrogações. Está aí uma atividade extremamente inquietante, solitária e saborosa. Não há preguiça que se preste a nos cimentar ao chão quando o ímpeto é o de olhar ao longe sem medo não enxergar os limites do invisível. Distância, meus senhores! Mais distância e menos proximidade! Quando vou ao teatro, nunca sento nas primeiras fileiras, procuro sempre o local mais afastado do palco de modo a reconhecer o quadro total que emoldura os atores, só assim consigo fazer parte da história contada. Quem escolhe receber o cuspe dos atores sofre de algum tipo de carência afetiva só explicável pela admiração às pequenas rugas estampadas no focinho dos artistas. O protagonista do teatro é o próprio teatro, e não a sequência diminuta de caretas humanas... para poder fruir dessa sensação, é urgente sentar ao longe, ampliar a visão. Reparem que o nome do teatro de Shakespeare é precisamente ‘The Globe’ - o globo -, e não ‘The Man’! O dramaturgo inglês sabia que há uma curiosa forma de retratar as dores humanas fugindo dessa psicologia barata e auto-referente que povoa nossos melodramas atuais – a de colocar-nos em cima de um terreno gigantesco e nos fazer sambar no meio de nossas próprias ambições equivocadas de tamanho. Ação! Ação poética que se faz inteira pelo olhar de longe! E menos dores íntimas nascidas do âmago de uma pequenez sentimentalóide! Ah senhores! Que maravilha é assistir a um filme de Kubrick e se deixar deleitar pela beleza de suas lentes grande-angulares; quanta potência narrativa, filosófica e artística é possível construir pelo intermédio da habilidade de um mestre das distâncias! Dilatemos nossas pupilas, senhores! Não para cegar, somente para fugir do pequenino e ganhar o horizonte misterioso!

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