domingo, 16 de dezembro de 2012
Os loucos são filósofos da sanidade...
Para Erasmo de Roterdã, famoso pensador holandês, a loucura é um estado de profunda iluminação, conferindo aos seus portadores a qualidade de arautos de uma verdade essencial, solapada por debaixo das camadas burocráticas dessa nossa vida regida pelo chicote da racionalidade. E não é que ele tem razão? Quem duvidaria de que as fronteiras do justo e do ordenado abrigam justamente o contrário do que advogam, sedimentando um país da esquisitice institucionalizada por regras de comportamento que desterram para a margem do mundo os poucos inteligentes que se recusam a agrilhoar-se a tais domínios uniformizados? Eis a inversão: A sanidade seria tomada como loucura, e a loucura, por sua vez, é a carta de alforria dos que tem a cabeça saudável. Os exemplos são vários. Dom Quixote ganha posição de sábio quando embevecido pelos mais loucos delírios de alucinação, e ainda que os moinhos de vento não passem de moinhos de vento, admiramos o cavaleiro da triste figura exatamente pela ousadia de dar um peteleco zombeteiro na ordem palpável das coisas para dar vida a gigantes que não existem. E que profunda inveja temos desses seres especiais, translúcidos de alma, transparentes nas suas ações! O mesmo acontece com as personagens de Plínio Marcos, sempre acometidas em algum grau pelos mais variados tipos de loucura. Há tanta lucidez na voz desses espectros de seres rejeitados que a vontade é dar-lhes um microfone para que palestrem diretamente aos ministros da razão. Há uma passagem na peça ‘Navalha na Carne’ em que Neusa Sueli, a prostituta da história, despeja em cima do cafetão Vado as suas mais íntimas frustrações: ‘Que merda de vida é essa?’ O grito gutural dessas gargantas doentes é a prova de que a periferia do mundo tem muito a que ensinar aos entronados do equilíbrio erudito. E por falar em erudição, quer figura mais admirável na sua loucura do que Simão Bacamarte, o respeitado alienista de Machado de Assis que se acredita reformador das doenças psiquiátricas, dando voltas e mais voltas dentro da sua nobre retórica acadêmica para mais tarde chegar à conclusão de que não existe demência maior que a própria razão científica? Todos os loucos são saudáveis, cabendo ao higienizador das moléstias um lugarzinho reservado dentro do manicômio de Itaguaí. Toda vez em que ligo a televisão e vejo aquela turma de juízes do STF enfiados em trajes de Zorro a entoar os mais prolíficos termos jurídicos – Data Vênia para cá, Data Máxima Vênia para lá -, acreditando piamente numa seriedade espectral da situação, eu me pergunto se ao menos um deles tem consciência do ridículo papel que interpretam... são todos malucos que se passam por digníssimos representantes da moralidade e da ética. Aliás, o cotidiano está cheio desses dementes do rigor, a julgar pela tonelada de soldadinhos de chumbo que se veste com o mesmíssimo figurino, estampando uma bendita gravata enforcada até as paredes finas do gogó. Às vezes, eu estaciono voluntariamente numa esquina movimentada para ver a fila interminável desses executivos caminhando religiosamente no mesmo ritmo em direção ao self-service da esquina. É uma cena digna de internação no hospício mais próximo... todos crentes da sua medíocre importância no mundo, mas longe da consciência de que são apenas bonequinhos articulados por títeres invisíveis, ou mesmo amarrados a fios tão aparentes que somem diante do nariz desses distraídos. Ah, quanta admiração eu tenho pelos malucos, pelos sátiros, discípulos de Dionísio, bêbados e desorientados; afinal, emprestando Shakespeare, esses malucos sabem perfeitamente que a vida não passa de um conto contado por um idiota cheio de som e fúria, não significando nada! Então, que verdade essencial é essa que repousa na boca dos excluídos? O sentido de que se tudo não passa de um grande teatro erguido pelos alicerces da falsidade, melhor atravessar essa jornada dando risadas do que forçar uma expressão de seriedade. Um brinde aos loucos! Essa manhã eu tive o orgulho de me sentir parte integrante desse grupo de lucidez plena, arranhando esquizofrenicamente a garganta ao gritar: VAI CORINTHIANS! O bando de loucos forma atualmente a mais potente escola filosófica da sanidade, um campo de conhecimento sobre o homem que agrega no perímetro das quatro linhas do campo de futebol uma agremiação de homens sábios, todos malucos da ponta dos cabelos até a unha gasta do dedão do pé... e é a eles que eu presto a minha mais sincera reverência.
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