Senhoras e senhores, a trama da vida diária é realmente um
negócio digno de nota, isso porque a pena com que ela escreve as linhas da
novela do cotidiano dá-nos a curiosa chance de testemunhar um desfile de
frivolidades e insignificâncias que acabam, por mais paradoxal que possa
parecer, conferindo tamanho gigantesco a tudo o que é pequeno – e quando o
pequeno diminui até chegar à dimensão do minúsculo, aí sim nos sentimos
protagonistas de algo cujo teor dramático ultrapassa as fronteiras do
inconfessável particular para galgar a urgência de tornar pública a nossa
tragédia. Senhoras e senhores, se o torvelinho de futricas, fatos e boatos,
fofocas e diz-que-me-diz, são a matéria fundamental dessa panacéia
melodramática, não seria surpresa adequar em igual proporção de importância as
personagens que nela flutuam, assim, também não é preciso correr muita
sensibilidade por dentro das veias para que o mais distraído dos seres humanos
perceba que a sua figura é tão pequenininha quanto a sua função de fuinha que
esse teatro maior chamado Vida lhe instruiu praticar. Senhoras e senhores, conheci
um fuinha dessa espécie! Um legítimo representante disso que podemos chamar de
mediocridade, mas uma qualidade de mediocridade tão sincera e transparente que,
embora tenha me causado certo constrangimento no princípio do nosso inesperado
encontro, não pude deixar de render homenagens a esse magnífico fantoche que
pulou na minha frente sem vergonha alguma de articular seu queixo de
ventríloquo de circo. Eis aqui as circunstâncias que me levaram a essa incrível
experiência. Acabava eu de pisar minhas magras pernas no saguão do teatro
quando o dito cujo alcança-me com o seu olhar vítreo e pronuncia num brado
retumbante o meu sagrado nome: ‘Fulano de Tal, é você?’ Sim, era eu... e ainda
que eu não me chamasse Fulano de Tal passaria imediatamente a ser o tal Fulano
de Tal pelo grau purpúreo de efusividade que a criatura evocava a minha
presença. Sim! Aqui estou eu, o digníssimo Fulano de Tal, arrastando meu
suntuoso manto do reconhecimento público! Ah, senhoras e senhores, senti-me o
Grão-Duque de alguma aldeia medieval, o Czar da Praça Vermelha, o Abade nomeado
pelo santo Papa... ou melhor, senti-me o próprio Pontífice da Santa Sé tamanha
foi a lambida que recebi na sola do pé daquele pobre servo da insignificância.
Senhoras e senhores, por que será que as pessoas se regozijam tanto em
servir-nos em bandeja de prata essa sua idiota vacuidade, incrustando no metal
pedrinhas de desejos de atenção reprimidos? O que lá tenho eu com isso? A vontade
que tive foi de mandar aquele peão-de-xadrez mover suas perninhas curtas em
outras casas e me deixasse em paz, mas eu tive o azar de incorrer no maior
pecado que um pecador da minha espécie poderia cometer e disse: ‘Olá, como
vai?’ Senhoras e senhores, deixem-me lhes dar uma dica preciosíssima: jamais,
em hipótese alguma, lancem mão de um simples ‘Olá, como vai?’ numa ocasião
semelhante a essa a que eu acabei de reportar, melhor dizendo – jamais abram
vossas bocas para articular a língua num frugal ‘Olá’ sem o ‘como vai?’ como
sufixo -, porque um simples ‘Olá’ funciona para esses pequerruchos mal amados
como a mesma benção divina que fez abrir as águas do Mar Vermelho para Moisés
seguir caminho em direção à Canaã, a terra prometida que verte leite e mel nos
seus riachos abençoados! Ah, digníssimos de infortúnio, não sabem vocês o
quanto tive de adormecer meus ouvidos para suportar o relato de tanto
blá-blá-blá sobre a própria vida mesquinha daquele que se dirigia a mim! E por
que justamente a mim? O jubiloso Fulano de Tal não teria outras ocupações mais
nobres a cumprir - como, por exemplo, assoar o nariz -, do que parar a rotação
do mundo para se sentir uma Via Láctea rodeada por aquele satélite de vento
perfumado? E tudo isso com um único intuito: elevar-me ao patamar dos
escolhidos! Vá escolher a mãe para aporrinhar! Ah, senhoras e senhores, se eu
fosse menos educado... porque grande parte das tragédias da vida nos seriam
poupadas se abandonássemos essa terrível condição de ‘seres educados’ a que fomos
doutrinados a colocar em prática... Aguentei tudo em silêncio sepulcral, depois
encaminhei-me para dentro das dependências do teatro, onde dali a instantes as
cortinas subiriam para mais um espetáculo da temporada... e mal sabia eu que
aquele deslumbrante personagem minúsculo estava a minha espera, pronto a entoar
sua ladainha de fã dos abnegados. Senhoras e senhores, a trama diária é um
enredo realmente deslumbrante... lembro-me agora de uma mulher gorda que
avistei ao sair de um Shopping Center, ela devidamente estacionada no alto de
uma escada-rolante enguiçada, soltando impropérios aos quatro ventos sobre a
incompetência das engenhocas mecânicas da modernidade... era a perfeita Norma
de Bellini, uma Casta Diva na magnificência de sua pose, convocando o mundo a
olhar para o quanto seu gogó estava preparado para reivindicar sua
existência... sua minúscula existência, diga-se de passagem.
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