E se eu pudesse reunir forças para me calar e não desejar
nada a ninguém? E seu pudesse recolher-me mais uma vez na certeza de que o
tempo não nos consagra essa injeção otimista que muitos fazem questão de trazer
à tona nessa época de virada? E se eu pudesse também consolar os outros dizendo
que as dores passadas não foram tão especiais ou doídas quanto às tantas outras
já vividas e não vividas que há muito não lembramos? E se eu pudesse fazer com
que alguém compreendesse que esse ano que passou, a despeito das tragédias que ocorreram
e continuam a ocorrer com pequenas variações temáticas, a despeito das
felicidades que não são tão luminosas quanto aquelas que em tempos passados
cingiram a terra, à revelia de tudo o que se diz novo e original... E se eu
pudesse convencer uma alma que fosse a dançar comigo a melodia desse disco
riscado que se repete por cima de uma vitrola acionada desde sempre por um
mistério metafísico qualquer? E se eu pudesse convencer alguém das delícias de
não se surpreender com nada porque basta nascer para saber que o amanhã
sucederá em igual medida as indicações do ontem? Ah que delícia é pasmar na
convicção profunda de que os eixos encrencaram! Feliz ano igual, meus senhores!
Feliz o que já foi, está sendo e sempre será! Contentemo-nos com a desgraça de
não sermos nunca originais! Só depois de o mundo deixar de ser mundo e
levar-nos consigo é que alguma coisa diferente poderá ocorrer, mas não mais
para nós que já teríamos deixado de ser.
Daqui de onde estou acho maravilhoso entender-me um inútil,
uma gota no meio de um oceano sem limites – e ainda que muitas gotas
semelhantes à minha resolvam se unir para produzir uma onda de respeito, ainda
assim não evocaríamos nem mesmo uma marola de mar manso.
Feliz ano novo! E se eu fosse corajoso o suficiente para ao
primeiro sinal de sorriso de meu interlocutor, na iminência de um jubiloso
‘Feliz ano novo meu caro vizinho’, virar a cara e sair correndo sem prestar
qualquer satisfação ao venturoso que ousou interpelar-me nesses termos? Não por crueza de caráter ou mau humor
congênito, duas qualidades que me sei portador, mas por uma alegria gigantesca
em celebrar sem culpa o marasmo estagnador da vida. Quebrem os eixos! Parem a
roda da fortuna!
Só os sonhos são passíveis de novidade, a eles sim
poderíamos evocar novas perspectivas vindouras, mas quantos são aqueles que de
fato habitam dentro de si para poder sonhar ao invés de simplesmente viver? A
angústia que sinto me salva, porque é preciso desconfiar dos fogos de artifício
de um mundo que barganha a esperança de algo que nunca vem para poder adentrar
numa solidão intima a ponto de sonhar. Sonhos inúteis, e por isso mesmo sonhos
libertadores, capricho de terras impalpáveis cujo início meio e fim coincidem,
sem avanços, progressos ou brindes de viva o novo! O novo já é porque sempre
foi desde que o dia em que nasceu para jamais deixar de ser, e a periferia ao
entorno dessa verdade particular é o jeito que se encontrou para nublar a
consciência com as tapadeiras da eficiência.
Enfim... como não tenho coragem de nada disso, como não
posso ficar alheio a sorriso nenhum, como os meus sonhos ainda não são malucos
o suficiente para mandar uma bela de uma banana caramelizada para o mundo, sou
obrigado a encerrar o que digo com um maravilhoso...
Feliz Ano Novo! J
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