Querido menino Jesus, com o perdão da palavra – e o senhor
quando crescer será o homem do perdão, portanto não me negará essa profunda
graça tão requisitada desde os tempos em que a Eva (que mais tarde viraria
banda) abocanhou a tal maçã proibida, e Adão, ao notar as partes pudendas,
viu-se obrigado a inaugurar a Semana da Moda do Éden com uma folha fashion de
bananeira-Herchcovitch –
enfim, querido menino Jesus, peço perdão a ti e a todo o elenco do presépio
para revelar publicamente a seguinte indignação dessa sua vossa ovelha latina
desgarrada do rebanho: ah, senhor menino Jesus, o que é essa sua festa de
aniversário senão a comemoração universal da cafonice? Parece, querido salvador
das almas condenadas, que o mundo é um enorme tonel de carvalho antigo acumulador
do elixir do mau gosto que tem no mês de dezembro a sua torneirinha aliviadora aberta!
Santo Deus, menino Jesus – com o perdão da referência ao vosso Santo Pai de
Barbas Brancas -, mas alguém precisa rever esse diretor de arte que insiste em
confundir o carnaval, a festa da carne – esse sim um verdadeiro evento da pouca
vergonha promovido pela serpente transfigurada em bode dionisíaco -, com a data
natalina da vossa chegada ao planeta, o mesmo planeta em que eu fui condenado a
pastar (lembre-se de que sou uma ovelha – ainda que desgarrada – e, portanto,
nada mais justo que viver pastando no pequeno pasto em que me coube pastar).
Ah, senhor menino Jesus de Belém que não é do Pará, rogo ao vosso pai que
empurre o carrinho de bebê ao qual estará ocupado por vossa digníssima presença
devidamente embrulhada numa fralda descartável para que observe o monumento ao
lado do parque do Ibirapuera ao qual batizaram de árvore de natal! Que
aberração pecaminosa, santo Deus! E a hecatombe em forma de cone gigante
iluminado repete-se frequentemente! A cada ano, senhor dos milagres terrenos,
insistem em armar aquele bolo verde feito de camadas de andaimes metálicos,
variando a temática dos enfeites a cada nova temporada do mau gosto! Por
exemplo, oh digníssimo da Santa Ceia ainda não servida, ano passado algum
detrator da vossa festinha de aniversário resolveu lançar mão do tema ‘Docinhos
do Buffet da Turma da Mônica’ e tratou de incrustar naquele bendito cone-de-Itu
um não sei quantos pirulitos de isopor... Ah, meu Pai Amado, parece que o natal
é uma nostálgica reminiscência da época do Casino do Chacrinha, áureos tempos
em que abobrinhas voavam por cima das cabeças do auditório num êxtase
libidinoso capaz de fazer rebolar o Cão na sua toca inundada de enxofre! E o
que dizer então das musiquinhas, oh senhor dos sofredores incapacitados? Quanta
gente que preserva o gogó inflamado para alforriá-lo justamente na sua data? A
cada esquina brotam alto-falantes que tem por missão rasgar os tímpanos dos que
ainda o conservam com o desejo formar um coro enorme para um novo gênero de
canção batizada de ‘Jingle Bells do Axé’. E isso tudo, oh magnânimo
transformador da água em vinho, potencializado pelo suor do caldeirão tropical!
Sim, porque parece que há uma relação direta entre o mau gosto e o bafo abaixo
dos trópicos, juntando o bodum do suor com as lantejoulas despregadas das
fachadas comerciais! Santo Deus vigiai a 25 de Março e dai a tua santa benção
ao exército de formigas pecadoras que de lá partem com sua carga carnavalesca
para contaminar de serpentina as nossas cidades! Alá lá ô ô ô ô ô ô ô, mas que
calô ô ô ô ô ô ô! E como se tudo isso não bastasse, oh menino da manjedoura da
estrebaria da beira de estrada, formam-se legiões de fiéis admiradores do mau
gosto, estacionando seus carros para babar pelo canto da boca o fel cafonal de
suas mal geridas referências estéticas! Oh menino Jesus, com o perdão da
palavra, que tal conversar com o Moisés e fazê-lo divulgar uma medida
provisória em forma de 11º mandamento cujo teor seria esse: “Todo aquele que se
inspirar na Carmem Miranda para comemorar o meu santo aniversário será
deportado para o recanto do Raio-que-o-Parta na companhia do Michel Telo e da
Joelma do Calypso”? Perdão, senhor Jesus, perdão se me excedi... amém!
Nenhum comentário:
Postar um comentário