segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Natal da Sapucaí



Querido menino Jesus, com o perdão da palavra – e o senhor quando crescer será o homem do perdão, portanto não me negará essa profunda graça tão requisitada desde os tempos em que a Eva (que mais tarde viraria banda) abocanhou a tal maçã proibida, e Adão, ao notar as partes pudendas, viu-se obrigado a inaugurar a Semana da Moda do Éden com uma folha fashion de bananeira-Herchcovitch – enfim, querido menino Jesus, peço perdão a ti e a todo o elenco do presépio para revelar publicamente a seguinte indignação dessa sua vossa ovelha latina desgarrada do rebanho: ah, senhor menino Jesus, o que é essa sua festa de aniversário senão a comemoração universal da cafonice? Parece, querido salvador das almas condenadas, que o mundo é um enorme tonel de carvalho antigo acumulador do elixir do mau gosto que tem no mês de dezembro a sua torneirinha aliviadora aberta! Santo Deus, menino Jesus – com o perdão da referência ao vosso Santo Pai de Barbas Brancas -, mas alguém precisa rever esse diretor de arte que insiste em confundir o carnaval, a festa da carne – esse sim um verdadeiro evento da pouca vergonha promovido pela serpente transfigurada em bode dionisíaco -, com a data natalina da vossa chegada ao planeta, o mesmo planeta em que eu fui condenado a pastar (lembre-se de que sou uma ovelha – ainda que desgarrada – e, portanto, nada mais justo que viver pastando no pequeno pasto em que me coube pastar). Ah, senhor menino Jesus de Belém que não é do Pará, rogo ao vosso pai que empurre o carrinho de bebê ao qual estará ocupado por vossa digníssima presença devidamente embrulhada numa fralda descartável para que observe o monumento ao lado do parque do Ibirapuera ao qual batizaram de árvore de natal! Que aberração pecaminosa, santo Deus! E a hecatombe em forma de cone gigante iluminado repete-se frequentemente! A cada ano, senhor dos milagres terrenos, insistem em armar aquele bolo verde feito de camadas de andaimes metálicos, variando a temática dos enfeites a cada nova temporada do mau gosto! Por exemplo, oh digníssimo da Santa Ceia ainda não servida, ano passado algum detrator da vossa festinha de aniversário resolveu lançar mão do tema ‘Docinhos do Buffet da Turma da Mônica’ e tratou de incrustar naquele bendito cone-de-Itu um não sei quantos pirulitos de isopor... Ah, meu Pai Amado, parece que o natal é uma nostálgica reminiscência da época do Casino do Chacrinha, áureos tempos em que abobrinhas voavam por cima das cabeças do auditório num êxtase libidinoso capaz de fazer rebolar o Cão na sua toca inundada de enxofre! E o que dizer então das musiquinhas, oh senhor dos sofredores incapacitados? Quanta gente que preserva o gogó inflamado para alforriá-lo justamente na sua data? A cada esquina brotam alto-falantes que tem por missão rasgar os tímpanos dos que ainda o conservam com o desejo formar um coro enorme para um novo gênero de canção batizada de ‘Jingle Bells do Axé’. E isso tudo, oh magnânimo transformador da água em vinho, potencializado pelo suor do caldeirão tropical! Sim, porque parece que há uma relação direta entre o mau gosto e o bafo abaixo dos trópicos, juntando o bodum do suor com as lantejoulas despregadas das fachadas comerciais! Santo Deus vigiai a 25 de Março e dai a tua santa benção ao exército de formigas pecadoras que de lá partem com sua carga carnavalesca para contaminar de serpentina as nossas cidades! Alá lá ô ô ô ô ô ô ô, mas que calô ô ô ô ô ô ô! E como se tudo isso não bastasse, oh menino da manjedoura da estrebaria da beira de estrada, formam-se legiões de fiéis admiradores do mau gosto, estacionando seus carros para babar pelo canto da boca o fel cafonal de suas mal geridas referências estéticas! Oh menino Jesus, com o perdão da palavra, que tal conversar com o Moisés e fazê-lo divulgar uma medida provisória em forma de 11º mandamento cujo teor seria esse: “Todo aquele que se inspirar na Carmem Miranda para comemorar o meu santo aniversário será deportado para o recanto do Raio-que-o-Parta na companhia do Michel Telo e da Joelma do Calypso”? Perdão, senhor Jesus, perdão se me excedi... amém!  

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