O gato é o artista do palco por excelência, o ator dos
atores, o Lawrence Olivier de todos os tempos. Frente ao gato não há Cacilda
Becker ou Paulo Autran que resista. Em cima do tablado é o gato que reina,
enquanto nós, sapiens, naufragamos. O gato olha de soslaio para Édipo e diz:
‘mas que menino mais bobo, matou papai e casou com mamãe!’ Meow! Só um gato
para dar conta da potência trágica de um herói grego! Faça o teste e vá
assistir no teatro a história protagonizada pelo rei de Tebas na pele de um
gato galante. Ator nenhum consegue convencer a mais generosa das plateias com a
famosa cena da perfuração dos olhos. O ator humano se esbugalha em cena, berra,
grita, chora, corta as tripas na tentativa de transmitir o horror da situação e
conclama a audiência para compartilhar da sua interpretação de toureiro com
hemorróidas. O gato não. Com o gato a coisa é bem diferente. O gato é
econômico. O andar do gato já carrega todo um caminhão de emoções contidas num
simples desfilar de patas acolchoadas. O gato é elegante, um mentiroso
profissional que jamais exagera em nada. O gato não dá a mínima para nossas
crises melodramáticas, ao contrário, o gato passa longe do Leblon do Manoel
Carlos e sobe direto ao monte Olimpo. O gato é trágico. O ‘ai de mim’ nada mais
é do que uma triste tentativa humana de traduzir o lamento de um felino grego, proferido
aos ouvidos de Sófocles. Um único ‘meow’ tem a capacidade de derrubar uma
plateia, já a ladainha das frases humanas quase sempre vira uma cantilena
interminável que dói nas orelhas dos ratos e morcegos, habitantes dos
bastidores de todo teatro. Foi depois de ouvir um ‘meow-miau’ que Aristóteles
formatou a sua teoria da função catártica do teatro antigo. Gato nenhum se
permite entrar na mansão do Tufão e da Carminha. Todo gato sabe que novela,
seja ela Mexicana ou Tupiniquim, não está à altura do seu magnífico domínio da
cena. Novelas e séries de TV se dirigem a qualidades artísticas inferiores as
do gato. Cães e humanos cabem perfeitamente na categoria de personagens moldadas
no formato Maria-do-Bairro. Labradores são sempre melodramáticos. Investigue o
curriculum de um labrador e verá que o focinho freqüentou o Studio Fátima
Toledo ou a Escola de Atores da Rede Globo. O gato ri dessa bobagem toda. O
gato sobe ao trono da magnificência dramática, não se rebaixa a figuras
medianas freqüentadoras de padarias. O gato é o proprietário do teatro, nós os
tristes inquilinos. Shakespeare só foi capaz de compor a sua monumental obra
porque afagava um gatão peludo que ronronava no seu colo enquanto escrevia o
‘ser ou não ser [meow] eis a questão’. Se houvesse um teste vocacional que
reunisse homens e gatos, não haveria qualquer chance para nós, humanos
aspirantes à arte de Dionísio. É o gato o dono da ancestral arte do fingimento.
Inevitável persistir. Não há curso de interpretação que nos faça sequer raspar
o talento dramático de um bichano de bigodes longos. Pobres mortais de
consciência desenvolvida! Queimem os métodos, fechem as escolas, tapem os
ouvidos para a tonelada de teorias e... comprem um gato! O gato é o mestre da
cena. O gato, só o gato!
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