Entre os animais houve um rateio de profissões e coube a
pomba o papel de lixeiro do mundo. Pobre coitada da pombinha que tem de
sobrevoar as metrópoles malcheirosas do mundo em cumprimento ao seu árduo
ofício. Mas a natureza é sábia e Darwin, chefe-mor do Poupatempo-zoológico, não
titubeou em carimbar a carteira de trabalho de cada bicho de acordo com o
focinho do candidato. E não é que ele tinha razão? Já imaginou um albatroz
elegantemente estacionado no topo da Catedral da Sé só à espera de uma lasca de
churrasco-grego atirada inadvertidamente ao chão? No instante em que esse
boing-penoso alçasse vôo em direção ao lanche desprezado, todos os camelôs
teriam forçosamente que recolher suas barracas made-in-Ponte-da-Amizade sob o
risco de darem adeus às suas mercadorias, engolidas pela lufada de ar das asas
do gigante destemido. O rei dos animais não poderia ser outro senão o leão, a
juba é que lhe dá esse direito! Tose o colarinho de um leão num pet shop da
esquina e ele voltará para o seu lar no máximo como um motoboy a serviço do
rinoceronte. Imagine se a girafa, com aquela cara de Mister Bean de pescoço
avantajado, poderia pleitear um cargo de respeito na repartição da savana
africana? Jamais! Aliás, é desse estigma que padece a hiena. Teria de tudo para
virar um bicho de dignidade irreparável não fosse sua risada de taquara rachada.
O cachorro só é o melhor amigo do homem porque não fala, no instante em que um
totó abrir a boca para comentar sobre as perspectivas em torno do futuro dos
acusados do mensalão ele perderá seu emprego de Sancho Pança da raça dos
sapiens. Na empresa da terra, os animais não falseiam, desempenham a tarefa que
lhes foi entregue e isso basta. Diferente de nós, humanos, que estamos o tempo
inteiro atrás de uma revisão a respeito do que somos ou poderíamos vir a ser. Essa
coisa chamada consciência vive nos pregando demissões por justa causa, nunca
satisfeita em ser o que é, porque já essa certeza – a de ser alguém, nos escapa
a cada instante. A regra é fingir, falsear, driblar, escamotear, constantemente
num exercício camaleônico de busca pelo emprego ideal que se encaixe na perfeição
dos nossos desejos. Nunca será encontrado. Darwin é o nosso inimigo mortal, não
há ocupação que combine com esse focinho empreendedor.
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