Por força do matraquear anônimo que levou à baila pública a
notícia de que aquela determinada estátua viva havia morrido, exatamente aquela
que na praça do coreto e ao lado do chafariz simulava ela própria um querubim a
despejar água na fonte dos prazeres, enfim, soube-se que a estátua viva de
torso prateado e semi-nua e com um dos pezinhos suspensos ao vento na pose
barroca de algum anjo alado-gorducho a apontar o beiço como quem implora ao céu
um beijo estalado, ela mesma, enfim, a estatua viva, já não mais vivia. Porém,
acostumada a engessar em vida, coube ganhar da morte a rigidez de outrora, ou
melhor, dobrada, e dessa vez ainda mais impressionante, porque, enfim, se é
hábito de quem vive desmanchar-se sem rigor algum, espera-se do defunto um
desleixo de exponencial habilidade, desmilinguindo o esqueleto para nunca mais
tê-lo de pé, coisa que não aconteceu, ao menos não com aquela estátua viva, que
agora estátua morta, enfim, preservava a placidez de um bloco firme de mármore,
e toda ela lapidada na expressão perfeita e imutável dos querubins talhados com
esmero, coisa só comparável ao David de Michelangelo que, enfim, não se sabia
se antes de ser estátua morta era, de fato, um David vivo, o que se sabe, ou se
soube, é que, advento do bulício geral, uma enormidade de afluxo de gentes
foram conferir a recém falecida estátua viva, agora muito mais visitada do que
quando, enfim, de fato vivia, havendo passado anos até o presente dia sem que
um único tônus muscular fosse desmanchado em função da eternidade imposta,
período em que, nota-se, não faltaram romarias dos quatro cantos do planeta a
celebrar a maravilhosa estátua que antes vivia, e que, hoje, enfim e por fim, e
para sempre, condenada estará à celebridade imutável dos blocos rijos de
matéria bruta.
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