sábado, 6 de setembro de 2014

Fábulas: # Os ratos melodramáticos e a dupla de ratos dançarinos

Havia uma pequena aldeia de ratos melodramáticos que costumava se reunir na plateia vazia de um antigo teatro onde podia, cada um e uns aos outros, recorrer ao ombro do rato-vizinho para acalentar o chôro, ou, então, dar-se o ombro para que outro rato mais necessitado viesse à ele chorar. Choravam aos borbotões os ratos melodramáticos, uma espécie de mimimi agudíssimo entremeado por soluços sincopados: ziziziziz-HIC! zizizizizi-HIC! zizizizizi-HIC!, coisa que produzia um zumbido coletivo bastante característico e capaz de atingir até aos tímpanos surdos dos asnos orelhudos, ainda que estes estivessem a quilômetros de distância. Pois um dia chegou à aldeia uma dupla de ratos dançarinos para curta temporada no palco do teatro dos ratos melodramáticos, e como os ratos visitantes não sabiam chorar, faziam dos pés ágeis a sua única ideia de comunicação com os outros. Impressionados com a performance dos intrusos, e ainda mais com a secura árida dos olhos deles, os ratos melodramáticos, extasiados com a ligeireza do bailado da dupla, engoliram o choro que lhes era caro, vidrados naquilo que viam. Mas contiveram as lágrimas só até o fim do espetáculo, quando voltaram a chorar e em proporções eflúvias, embora dessa vez não fosse por razões íntimas, senão por saudades antecipadas daqueles que, ainda que por um breve instante, os fizera parar de chorar.

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