quinta-feira, 14 de novembro de 2013

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Dizer o que há para ser dito
Dizendo o que aos olhos não foi feito para ser visto.
Ver o que existe à vista
Inventando imagens nunca antes conhecidas.
Habitar o solo que a todos sustenta
Plantando terrenos de instáveis sedimentos.
Desequilibrar-se no equilíbrio da constância
Perdendo o fôlego no sopro do movimento.
Saber que viver é questão de respeitar simples fórmulas
Colecionando necessárias destemperanças...

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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

(...)

Dessas dores que agora sinto
Todas elas apago
Quando por elas vejo
Que do corpo vem
Seu estalo...
Quão pior seria, alma minha
Se fosses tu a ferida
Melhor assim
Enquanto o de fora padece
O resto aos olhos não visto
Resiste
Não entristece...

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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

[...] ?

Sonho pouco
Ou nem tanto
Só sonho para sonhos não guardar
E quando acordado
Comigo fico
Pensando o tanto que dessa matéria desperdiço
Tentando reaver uma lembrança que seja
Daquilo que some
Quando se dorme...

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MOLDURAS IMPROVÁVEIS PARA PERSONAGENS DESPREZÍVEIS: # O Papagaio órfão...

Deve ter sido um peralvilho cuja mãe por paga merecida do destino deve hoje assar as ancas nas labaredas do inferno em razão de ter estreado ao mundo cria tão abjeta e descomposturada o responsável direto pelas idas e vindas daquela senhora balofa de buço proeminente à varanda de sua casa naqueles intervalos intermitentes em que a campainha tocava e nenhuma alma aparecia para reivindicar a autoria do chamado. Pois na última vez dessa indecorosa ocorrência a Matilda-das-Banhas nome inventado para a tal senhora balofa e de buço florestal levou consigo uma espingarda velha do finado marido que julgava estar aposentada na sua ferrugem sexagenária. Pois não estava. Um tiro soou. E o pobre do carteiro que em nada tinha a ver com os joguetes desse tal peralvilho de mãe agourenta a quem nunca chegamos a conhecer mas tão somente conjecturar existir enquadrando-o na autoria das diabruras já relatadas teve de se virar para fazer passar a bala por cima de seus ombros e se nele o projétil não produziu maiores estragos fora o susto foi a coisa aninhar-se mortalmente no coração inocente da senhora Conceição outra gorda mas sem qualquer vestígio de buço que regularmente levava seu papagaio para fazer a siesta no terraço de sua humilde residência. A carta jogada para o ar antes do Raimundo, outro nome inventado para o carteiro que bem poderia se chamar Jacó ou Antenor, sair correndo sem que saibamos se um dia voltará a tocar qualquer outra campainha na vida dizia em letras chiques que a tal Matilda-das-Banhas era convidada para um baile de terceira idade naquela mesma noite e enquanto o papagaio da finada Conceição era levado para a delegacia numa tentativa desesperada de inquirir o bicho sobre as circunstâncias que levaram sua dona a bater asas para o além a tal da Matilda-das-Banhas rebolava seu quadril coladinha a um senhor que se não era tão parecido com o seu finado marido muito se assemelhava à espingarda enferrujada que instantes antes dera fim a uma amorosa relação entre a Conceição e o seu hoje pássaro órfão.

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MOLDURAS IMPROVÁVEIS PARA PERSONAGENS DESPREZÍVEIS: # O Ator de copiosos fracassos.

O tal ator cujo nome não importa, irrelevante tanto no palco quanto na vida, passou sua cinza existência colecionando fracassos e abismos de crítica, até que, numa determinada noite, Astolfo, seu cão vira-lata de sarna às vistas e pata manca, que mui sabiamente era levado pelo próprio dono para esperá-lo no camarim, sendo ele, o cão vira-lata, o único diabo a lhe congratular com uma lambida o seu pífio desempenho sobre as tábuas da ribalta, escapou da coleira e foi querer experimentar as agruras do seu amo, servindo-lhe de antagonista. O tal ator cujo nome já o tempo apagou, vendo o bicho manquitolar feito um Ricardo III debaixo dos refletores, e ávido por um afago na orelha caída direita, soltou um berro trágico de 'fora daqui, seu quadrúpede miserável', no que fez imediatamente Astolfo congelar feito uma estátua de sal do antigo Egito. A plateia veio abaixo em urros e vivas, e o jornal estampou no dia seguinte a estrondosa interpretação que há tempos o teatro economizava aos seus tristes espectadores. Pois coube ao destino cerrar as cortinas para Astolfo, devolvendo ao ator cujo nome é tão desprezível quanto o seu passado inglório, a sua sina de padecer novamente na falta de talento, que somente um cão vira-lata pôde, um dia, reverter...

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Sou um picles naufragado...

Sou mais conservador que um picles condimentado num pote embarcado e naufragado pelo Titanic, nos idos dos 1912... e só não saio por aí gritando 'viva a família, a tradição e a propriedade!' porque, primeiro, todo picles já nasceu abençoado por essa dádiva que só as verduras e aos leguminosos é dada, seja ela a de não possuir cordas vocais, e, não obstante a isso, porque sou também dessa espécie peculiar de picles tida nos anais das gôndolas dos supermercados como picles-descrente, e isso no que se refere tanto aos movimentos progressistas, como para marchas para trás... No fim das contas, há sempre uma tragédia benfazeja em se saber um picles naufragado, afinal, dá para assistir de camarote toda a sorte de peixes, cartilaginosos ou não, de tubarões grosseirões a cardumes de sardinhas minúsculas, todos atravessando de um lado para o outro rumo a não sei qual objetivo nobre....

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Vontade de ser japonês...

Há dias em que me bate uma vontade louca de ser japonês, mas desses japoneses do Japão, de olhos puxados e que comem cadáver de peixe enrolado em alga azeda feito um ritual ancestral de reverência a algum espírito superior seja lá qual seja Ele, tudo no mais sepulcral silêncio contemplativo...e bem longe desses japoneses arraigados em solo tupiniquim, ainda que tenham eles também os mesmos olhos puxadinhos e que repitam o cardápio frio dos primos do oriente. Isso porque esses últimos japoneses, os abrasileirados, já se contaminaram por essa radiação tropical que os torna parecidos com nós, contingente de maritacas desvairadas que vivem para subir nas tamancas da Carmen Miranda e desfilar cocares de frutas por cima dos cocurutos, ainda que ninguém saiba se equilibrar nos tamancos como a saudosa Dona Carmen, e tampouco tenham cabeças com superfícies suficientes para sustentar tanta melancia como advogam fazer (fora, evidentemente, nossos primos cearenses). Porque a questão é essa, uma breve visita à padaria da esquina se transforma numa imersão antropológica no coração da bateria da Estação Primeira da Mangueira, lar abençoado do já finado, mas nunca esquecido, Jamelão. Se por um acaso algum desgraçado dessa terra sub-equatoriana resolve ir bebericar um cafezinho num desses estabelecimentos barulhentos e lá dentro é acometido por uma ideia genial capaz de revolucionar a ciência moderna e deixar Einstein lambendo sabão com aquela sua língua cheia de papilas relativas, não importa o quão efusivo seja na tentativa de angariar plateia para a sua descoberta, ninguém prestará a mínima reverência ao dito cujo, todos empenhados que estão em competir seus decibéis com os do Seu Zé, operador de britadeiras que também aqui, no ocidente abafado, é mais barulhenta do que as de lá, do oriente ensolarado. Aliás, aposto meu dedinho mindinho que não há britadeiras no Japão, lá os buracos devem ser tapados com alguma espécie de oração budista, sem mover uma única onda sonora para tal tarefa. Ah... que vontade de ser japonês, mas um legítimo japa do Japão, lugar que, mesmo visitado por Tsunamis, ninguém se dá ao luxo de sair por aí arrastando as chinelas e gritando 'Silvio Santos vem aí, tralá La-ra La-ra!'...

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MOLDURAS IMPROVÁVEIS PARA PERSONAGENS DESPREZÍVEIS: # Aroldo das Acácias, o pipoqueiro.



Pois havia esse tal de pipoqueiro cuja graça respondia por Aroldo das Acácias e que gabava-se por ter na ponta dos dedos a exata quantidade de milhos a que dispunha estourar e oferecer ao cliente interessado em mastigar seu fino produto. O número ficava a cargo do freguês, 20 milhos equivaliam a 20 pipocas, 40 milhos? Pois não, senhor, 40 pipocas! 60, 60, 80 = 80, sem desperdiçar um único grãozinho, e tudo sem a necessidade de procedimentos outros a não ser a habilidosa sensibilidade desse Aroldo das Acácias, que sabia exatamente o quanto de material jogava na panela quente para estourar. Pois um dia descuidou-se em sua mise en scène e acabou cego de olho, culpa dos respingos do óleo. A mesma habilidade, porém, preservara, ainda que do último olho sadio também ficasse cego, culpa do mesmíssimo erro anterior. E quando ficou surdo por alguma anomalia genética inexplicável pela junta médica que o atendeu, ainda assim mantinha a sua espantosa arte de converter milhos em pipocas sem as intercorrências dos piruás desertores, ou mesmo evitando incorrer na péssima promessa de oferecer mais por menos, tudo isso em função da vibração que sentia com as mãos ao despejar o produto cru na panela quente. Pois queimou as mãos, ambas morrendo para a tarefa. E quando esse tal de Aroldo das Acácias sobrou apenas com o nariz, já muito avançado em anos estava para adaptar-se às circunstâncias dessa difícil artimanha de fazer estourar pipocas, pelo menos na excelência com que estava acostumado a lidar. Foi então para o interior, onde, até onde se tem notícias, soube desenvolver um faro raríssimo para antever o ponto de brotação das jabuticabas.

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

(...)

Se todos os silêncios fossem como os da madrugada
Se os dias nascessem assim
Sem o bulício da alvorada
Ai de mim
Que só peço isso e mais nada:
Atravessar eu as horas
Sem que o tempo comigo andasse
De mãos dadas...

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