É sempre assim. Alguém, em algum lugar distante daqui, resolve fazer uma ligação para um outro alguém, que deveria estar por aqui para ouvir o telefone tocar e atender à chamada. Só que esse alguém para quem a ligação é feita nunca aparece. Então eu, que passo regularmente por aqui todos os dias, resolvo tirar o fone do gancho e dizer alô. É o que basta para que esse alguém do outro lado da linha comece a falar um monte de coisas imaginando que eu sou esse outro alguém a quem ele, sabe-se lá quem ele seja, decidiu, por qual razão misteriosa, dedicar algum tempo para digitar os números no aparelho telefônico na esperança de que do outro lado quem atendesse à chamada não fosse outro senão esse a quem eu, que ele mal faz ideia quem seja, finjo ser. É isso que eu faço. Invento que sou esse a quem esperam que eu seja. E como tudo é feito à distância e no completo anonimato, eu não me sinto nenhum pouco mal por isso. Aliás, não me sinto nada mal por isso. Para dizer a verdade, sinto-me plenamente vivo quando finjo ser esse outro alguém que tanto é requisitado por esse alguém que, de algum lugar distante daqui, resolve gastar seu tempo para digitar todos os dias alguns algarismos num aparelho telefônico na esperança de poder falar com esse alguém com quem ele tanto gostaria de falar, e que nunca aparece para atende-lo. Sim, eu me sinto bem agindo assim. É quase como uma boa ação: aliviar a expectativa de alguém que eu mal conheço, e que provavelmente nunca venha a conhecer.
- Alô?
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